Arte Cristã

Sumário

Introdução

1 A arte na vida humana

2 A arte cristã (aspectos históricos)

3 A arte cristã na esteira do Concílio Vaticano II

Referências

Falar de arte não é tarefa fácil. Mesmo restrita ao âmbito da “Arte cristã”, a empreitada não deixa de ser desafiadora, dada a amplitude e a complexidade do tema em si. Nossa proposta é modesta. Limitamo-nos a tecer alguns apontamentos em torno da relação arte-liturgia e vice-versa, a partir de três pontos: a arte na vida humana; a arte cristã (aspectos históricos); a arte cristã na esteira do Concílio Vaticano II.

1 A arte na vida humana

Pode-se afirmar que, desde tempos muito remotos, a arte está intimamente ligada à vida humana. Ela se expressa sob diferentes formas de linguagem: visuais (pintura, desenho, gravura…), musicais (ritmo, melodia, harmonia…), performáticas (dança, teatro, mágica, mímica…) etc. Aliás, há uma relação, quase que simbiótica, do ser humano com a arte:

O ser humano sempre necessitará da arte para resolver essa sua limitação natural para encontrar aquela parte do real e de si mesmo que sua imaginação lhe diz ainda não ter sido conhecida. A função da arte é recriar para a experiência de cada indivíduo a plenitude daquilo que ele não é, isto é, a experiência da humanidade em geral. E ela o faz de maneira mágica e lúdica, mostrando a realidade como algo que pode ser transformado, dominado, manipulado como um brinquedo. […] O nosso “eu” limitado sofre uma ampliação maravilhosa pela experiência de uma obra de arte. E muitas vezes, nesse processo de identificação, deixamos de ser meras testemunhas da criação e passamos a ser também um pouco criadores daquelas obras que estendem os nossos horizontes e nos elevam acima da superfície a que estamos pegados (CARMO, 2021).

A arte também ocupa lugar privilegiado no âmbito religioso. Ela é parte integrante de ações simbólico-rituais, próprias de cada cultura. No cristianismo, por exemplo, houve uma amistosa interatividade entre arte e liturgia.

No caso típico europeu, acabou por ser o cristianismo o principal contexto dessa relação, com a notável elaboração de arte para a liturgia, num serviço que chega à fusão quase completa: as grandes obras de arquitetura, da pintura, da poesia, da música foram, em grande parte, obras para a liturgia, o que pressupunha na sua própria elaboração – e também na recepção e configuração — a sua integração ritual (DUQUE, 2018, p. 26).

O papa João Paulo II, na célebre Carta aos artistas, nos recorda que a arte de inspiração cristã começou em surdina, ditada pela necessidade que os crentes tinham de elaborar sinais para exprimir, com base na Escritura, os mistérios da fé e, simultaneamente, de arranjar um “código simbólico” para se reconhecerem e identificarem, especialmente nos tempos difíceis das perseguições. A título de exemplo, ele cita os “primeiros vestígios de uma arte pictórica e plástica: o peixe, os pães, o pastor” (JOÃO PAULO II, 1999, n. 7). Não por acaso, tais imagens ilustravam paredes dos lugares onde os primeiros cristãos se reuniam para celebrar o memorial da Páscoa de Cristo (a liturgia). Assim como toda arte, essa “arte cristã” é portadora de densidade simbólica, capaz de expressar e atingir o ser humano em sua totalidade, constituindo, assim, numa espécie de suporte e veículo nos quais estão presentes capacidades cognitivas, visões de mundo, crenças, imaginação, história, afetividade, técnica, corporeidade, espiritualidade, fé. E mais:

É linguagem simbólica, interpretativa, e interpelativa de cuja força o ser humano pode emergir como hermeneuta de si, do mundo, das coisas que ultrapassam ao que pode ser diretamente apreensível pelos sentidos ou codificado na frieza da objetividade puramente racional expressa em aparato lógico conceitual (VILHENA, M. A., 2015, p. 36).

Essas (e outras possíveis) dimensões que encerram a linguagem simbólica se aplicam à ação litúrgica. Graças à “arte” do rito, os fiéis têm livre acesso àquela “beleza tão antiga e tão nova” que é o mistério do próprio Deus, revelado em Jesus Cristo.

2 A arte cristã (aspectos históricos)

Conforme aludido na introdução deste texto, também aqui a abordagem se limitará a alguns apontamentos de caráter geral, tendo como base a relação arte-liturgia e vice-versa.

a) No primeiro milênio

A partir do edito de Constantino (ano 313), a arte tornou-se um canal privilegiado de manifestação da fé. No âmbito da arquitetura, aqueles simples espaços (“Igreja das casas”) onde os cristãos se reuniam para as celebrações litúrgicas foram, gradativamente, substituídos por suntuosas basílicas (“casas da Igreja”), à moda das basílicas imperiais.

Esse modelo foi escolhido pela sua praticidade: a abside configurou-se como lugar perfeito para a cátedra do bispo e para o banco semicircular do presbitério; no começo da nave principal, instalou-se o bema com o ambão e, em Roma, o altar foi colocado nas imediações da abside, entre o clero e o povo (SILVA, J. P., 2022, p. 132).

Nesses amplos espaços, desenvolveram-se, de forma concomitante, as artes pictóricas, esculturais e musicais. No limiar do século VIII, a liturgia romana atingira sua forma plena, devidamente compilada em livros litúrgicos (sacramentários, lecionários, antifonários…). O “Canto gregoriano”, por sua vez, também se encontrava plenamente estruturado e, assim como toda a liturgia romana, é exportado para o império franco-germânico. Esse canto, com o passar dos séculos, se tornará a expressão musical típica da fé da Igreja, celebrada nas ações litúrgicas. Se, por um lado, há de se admirar a beleza desses templos, com sua música altamente sofisticada, por outro, esse novo formato (“casas da Igreja”) favoreceu o clericalismo e o distanciamento progressivo dos fiéis leigos, no que tange à participação na ação litúrgica.

No âmbito do império bizantino, entre os séculos VIII e IX, a Igreja teve de lutar contra alguns imperadores e bispos que apoiaram o chamado “movimento iconoclasta”. Esse movimento repudiava o uso e a veneração de imagens (ícones). Foi um período conturbado e até de violência extrema, incluindo exílios, prisões, torturas e mortes. Apoiados em textos do Antigo Testamento e em “ideologias” surgidas no judaísmo e islamismo de então, os iconoclastas rechaçavam qualquer representação imagética de Cristo, da Virgem Maria e dos santos. Na opinião deles, isso configurava idolatria. Os iconoclastas chegaram à inusitada conclusão de que o único ícone de Cristo é a eucaristia (espécies eucarísticas); também repudiavam a veneração de relíquias dos santos.

Diversos sínodos e até concílios discutiram esse tema. O mais notável foi o Concílio Ecumênico de Niceia II, em 789. Nele, estabeleceu-se a legitimidade das imagens e de seu culto, graças ao auxílio de sólidos argumentos teológicos. O eixo axial dessa teologia foi o mistério da Encarnação do Verbo. João Paulo II, na Carta Apostólica Duodecimum Saeculum — por ocasião do XII centenário do referido Concílio —, assim se expressa:

A iconografia de Cristo implica, portanto, toda a fé na realidade da Encarnação e no seu significado inexaurível para a Igreja e para o mundo. Se a Igreja costuma pô-la em prática, fá-lo porque está convencida que o Deus revelado em Jesus Cristo resgatou realmente e santificou a carne e o inteiro mundo sensível, ou seja, o homem com os seus cinco sentidos, a fim de lhe permitir renovar-se constantemente “à imagem d’Aquele que o criou” (Cl 3,10). (JOÃO PAULO II, 1987, n. 9).

Reconhecendo a importância da arte iconográfica, bem como sua redescoberta em tempos atuais, o então Papa encoraja os fiéis a uma efetiva veneração dessa arte milenar, nestes termos:

A redescoberta do ícone cristão ajudará também a tomar consciência da urgência de reagir contra os efeitos despersonalizadores, e às vezes degradantes, das múltiplas imagens que condicionam a nossa vida, na publicidade e nos “mass-media”; trata-se de fato de uma imagem que faz chegar até nós o olhar de um Outro invisível e que nos dá acesso à realidade do mundo espiritual e escatológico (JOÃO PAULO II, 1987, n. 11).

b) No segundo milênio

No segundo milênio, a arte cristã, sobretudo no Ocidente, se expandiu de forma vertiginosa. No âmbito da arquitetura, emergiram estilos marcantes nos edifícios das igrejas e abadias como, por exemplo, o românico, o gótico, o clássico, o barroco. A pintura e a escultura atingiram elevados graus de perfeição técnica e estética, a ponto de não mais necessitar, a priori, dos espaços sagrados e de sua vinculação com a fé. A “música sacra” — que se limitava, basicamente, ao canto monódico, de uso exclusivo nas ações litúrgicas —, aos poucos, ganhou formas e contornos diversos. Ao lado do “cantochão” (monódico), desenvolveram-se sofisticados tecidos polifônicos (de duas ou mais vozes), além do uso, cada vez mais frequente, de instrumentos musicais. Tudo isso contribuiu para que essa música ultrapassasse os limites do âmbito litúrgico. Não por acaso, a “Missa” (Kyrie, Glória, Credo, Sanctus-Benedictus, Agnus Dei) se converteu numa espécie de forma musical, ao lado da suíte, da sonata, da sinfonia etc., e passou a ser executada também em teatros. Ao longo do segundo milênio, destacaram-se grandes nomes, como: Palestrina, Orlando de Lasso, Victoria (polifonia clássica); Haendel, Bach, Vivaldi (barroco); Haydn, Mozart (classicismo); Beethoven, Schubert, Berlioz, Listz, Verdi (romantismo).

Ao contrário do Ocidente, a arte cristã oriental não se deixou “contaminar” por pensamentos e/ou ideologias estéticas, surgidas fora do âmbito eclesial. A arte iconográfica, por exemplo, manteve-se fiel aos cânones teológico-litúrgico-espirituais, elaborados pela ortodoxia bizantina. O critério basilar dessa arte é a não reprodução da natureza como tal (naturalismo/realismo), mas a representação de uma imagem transfigurada pela interioridade espiritual. No ícone, tudo é prenhe de simbolismo: cores, vestes, expressões corporais (mãos, rosto, olhos, nariz, ouvidos, boca…), ou seja, nada é subjetivo. “O ícone, visto com os olhos do coração iluminados pela fé, nos abre para a realidade invisível, para o mundo do Espírito, para a economia divina, para o mistério cristão na sua totalidade ultraterrena. É lugar teológico, antes, ‘teologia visual’” (DONADEO, 1996, p. 20). Também a “música sacra bizantina” manteve, ao longo dos séculos, suas principais características, a saber: é essencialmente vocal e monofônica; é modal (estruturada nos oito modos gregos); privilegia o sentido teológico-litúrgico do texto e/ou palavras.

3 A arte cristã na esteira do Concílio Vaticano II

A breve mensagem do papa Paulo VI, dirigida aos artistas, por ocasião do encerramento do Concílio Vaticano II, resume, de forma magistral, a empatia pelo diálogo entre Igreja e cultura, com reflexos imediatos no campo da arte e a consequente reverência aos seus artífices:

Para todos vós, artistas, que sois prisioneiros da beleza e que trabalhais para ela: poetas e letrados, pintores, escultores, arquitetos, músicos, homens do teatro, cineastas […].

Desde há muito que a Igreja se aliou convosco. Vós tendes edificado e decorado os seus templos, celebrado os seus dogmas, enriquecido a sua Liturgia. Tendes ajudado a Igreja a traduzir a sua divina mensagem na linguagem das formas e das figuras, a tornar perceptível o mundo invisível.

Hoje como ontem, a Igreja tem necessidade de vós e volta-se para vós. E diz-vos pela nossa voz: não permitais que se rompa uma aliança entre todas fecunda. Não vos recuseis a colocar o vosso talento ao serviço da verdade divina. Não fecheis o vosso espírito ao sopro do Espírito Santo.

O mundo em que vivemos tem necessidade de beleza para não cair no desespero. A beleza, como a verdade, é a que traz alegria ao coração dos homens, é este fruto precioso que resiste ao passar do tempo, que une as gerações e as faz comungar na admiração. E isto por vossas mãos.

Que estas mãos sejam puras e desinteressadas. Lembrai-vos de que sois os guardiões da beleza no mundo: que isso baste para vos afastar dos gostos efêmeros e sem valor autêntico, para vos libertar da procura de expressões estranhas ou indecorosas.

Sede sempre e em toda a parte dignos do vosso ideal, e sereis dignos da Igreja, que, pela nossa voz, vos dirige neste dia a sua mensagem de amizade, de salvação, de graça e de bênção.

Essa mensagem deve, necessariamente, ser lida à luz das Constituições e Decretos do próprio Concílio, sobretudo as Constituições Gaudium et Spes (GS) e Sacrosanctum Concilium (SC), e o Decreto Inter Mirifica (IM).

Na Gaudium et Spes, por exemplo se diz:

A literatura e as artes são também, segundo a maneira que lhes é própria, de grande importância para a vida da Igreja. Procuram elas dar expressão à natureza do homem, aos seus problemas e à experiência das suas tentativas para conhecer-se e aperfeiçoar-se a si mesmo e ao mundo; e tentam identificar a sua situação na história e no universo, dar a conhecer as suas misérias e alegrias, necessidades e energias, e desvendar um futuro melhor. Conseguem assim elevar a vida humana, que exprimem sob muito diferentes formas, segundo os tempos e lugares.

Por conseguinte, deve-se trabalhar para que os artistas sintam-se compreendidos, na sua atividade, pela Igreja e que, gozando de uma conveniente liberdade, tenham mais facilidade de contatos com a comunidade cristã. A Igreja deve também reconhecer as novas formas artísticas, que, segundo o gênio próprio das várias nações e regiões, se adaptam às exigências dos nossos contemporâneos. Sejam admitidas nos templos quando, com linguagem conveniente e conforme as exigências litúrgicas, levantam o espírito a Deus (GS, n. 62).

Por sua vez, a Sacrosanctum Concilium afirma:

Entre as mais nobres atividades do espírito humano estão, de pleno direito, e muito especialmente a arte religiosa e o seu mais alto cimo, que é a arte sacra. Elas tendem, por natureza, a exprimir de algum modo, nas obras saídas das mãos do homem, a infinita beleza de Deus, e estarão mais orientadas para o louvor e glória de Deus se não tiverem outro fim senão o de conduzir piamente e o mais eficazmente possível, através das suas obras, o espírito do homem até Deus.

É esta a razão por que a santa mãe Igreja amou sempre as belas artes, formou artistas e nunca deixou de procurar o contributo delas, procurando que os objetos atinentes ao culto fossem dignos, decorosos e belos, verdadeiros sinais e símbolos do sobrenatural. A Igreja julgou-se sempre no direito de ser como que o seu árbitro, escolhendo entre as obras dos artistas as que estavam de acordo com a fé, a piedade e as orientações veneráveis da tradição e que melhor pudessem servir ao culto […].

A Igreja nunca considerou um estilo como próprio seu, mas aceitou os estilos de todas as épocas, segundo a índole e condição dos povos e as exigências dos vários ritos, criando deste modo, no decorrer dos séculos, um tesouro artístico que deve ser conservado cuidadosamente. Seja também cultivada livremente na Igreja a arte do nosso tempo, a arte de todos os povos e regiões, desde que sirva com a devida reverência e a devida honra às exigências dos edifícios e ritos sagrados. Assim poderá ela unir a sua voz ao admirável cântico de glória que grandes homens elevaram à fé católica em séculos passados (SC, n. 122-123).

A Inter Mirifica, enfim, afirma:

Uma segunda questão se põe sobre as relações que medeiam entre os chamados direitos da arte e as normas da lei moral. Dado que, não raras vezes, as controvérsias que surgem sobre esse tema têm a sua origem em falsas doutrinas sobre ética e estética, o Concílio proclama que a primazia da ordem moral objetiva há de ser aceita por todos, porque é a única que supera e coerentemente ordena todas as demais ordens humanas, por mais dignas que sejam, sem excluir a arte. Na realidade, só a ordem moral atinge, em toda a sua natureza, o homem, criatura racional de Deus e chamado ao sobrenatural; quando tal ordem moral se observa íntegra e fielmente, condu-lo à perfeição e bem-aventurança plena (IM, n. 6).

Essa amostra de textos conciliares deixa entrever que a Igreja sempre demonstrou apreço pela arte e seus artífices. Não por acaso, João Paulo II, na mencionada Carta aos artistas, afirmou categoricamente que a Igreja tem necessidade da arte para transmitir a mensagem que Cristo lhe confiou, pois ela (a arte) torna perceptível o mundo do espírito, do invisível, de Deus. E conclui dizendo: “A arte possui uma capacidade muito própria de captar os diversos aspectos da mensagem, traduzindo-os em cores, formas, sons que estimulam a intuição de quem os vê e ouve” (JOÃO PAULO II, 1999, n. 12). Vale ressaltar, em contrapartida, que essa atitude de reverência da parte da Igreja não a isenta da constante vigilância de se exercer um juízo crítico, frente a determinadas expressões artísticas que possam legitimar posturas antiéticas, contrárias ao Evangelho, como a injustiça, a xenofobia, a discriminação sexual, a exclusão social etc.

A Igreja do Ocidente não elegeu um estilo específico de arte para si, mas aceitou estilos de diversas épocas. As Sagradas Escrituras e a Liturgia desempenharam papel decisivo no processo de discernimento quanto ao que se deve acatar ou rejeitar. Mais do que nunca, esse princípio milenar se impõe nos tempos atuais, marcados pela pluralidade de estilos e experimentos, por vezes carregados de excessivas doses de um “subjetivismo personalista”, que ostenta formas individualizadas, surpreendentes, herméticas e até ofensivas à fé cristã. Juan Plazaola acrescenta a tal subjetivismo outras características da sensibilidade artística contemporânea, a saber (cf. PLAZAOLA, 2006, p. 22-31):

a) O essencialismo: Busca pelo essencial. Uma reação contrária a expressões artísticas do passado, caracterizadas pelo excesso de detalhes e adereços. O desafio consiste na manutenção do justo equilíbrio estético, para não se descambar no minimalismo;

b) A sinceridade: Rejeição a simulacros. Preferência por elementos reais e não fictícios, como, por exemplo, a utilização de materiais falsos que imitem pedra, madeira, luz etc. Essa “sinceridade”, no labor criador, é fundamental para a arte vinculada ao culto cristão.

c) Um funcionalismo moderado: À beleza estética se busca agregar a funcionalidade (sagrada) da arte. Aqui, um desafio se impõe, sobretudo no âmbito da arquitetura: não se deixar levar pela onda do mero “conforto”, reduzindo o “funcionalismo” a algo meramente estético-prático.

d) A economia e sobriedade: Quando aplicada diretamente à arte cristã, esta característica coincide com a recomendação dada pelo Concílio Vaticano: “Cuidem os Ordinários que, promovendo e incentivando a arte verdadeiramente sacra, visem antes à nobre beleza que à mera suntuosidade. O que se há de entender também das vestes sagradas e dos ornamentos” (SC, n. 124). Contudo, vale o alerta de que essa “nobre simplicidade” não deva ser confundida com o artificial e banal.

e) A pureza: Esta característica possui estreita relação com a anterior. “Pureza”, aqui, não significa “frieza”, “cerebralismo”…, muito comuns em movimentos artísticos do século XX como, por exemplo, o cubismo.

Pureza é respeitar a auréola sagrada que as coisas intactas criadas por Deus parecem irradiar. […] Felizmente, parece que hoje estamos recuperando, no Ocidente, o “dom da atenção” frente aos objetos elementares e puros da Criação. E nas coisas criadas por mãos humanas, preferimos também a simplicidade e a integralidade (PLAZAOLA, 2006, p. 29).

Em suma, todo e qualquer juízo emitido sobre a arte e seus artífices é, até certo ponto, incompleto e parcial. O “mistério” da arte não permite enquadrá-la em categorias por vezes subjetivas e reducionistas. A propósito dessa questão, J. Plazaola pondera:

A história prova que as obras de arte sacra que sobrevivem e que continuam deleitando e inspirando, ao longo dos séculos posteriores, são precisamente as que revelam não só aspectos universais da natureza humana, os atributos da divindade e da santidade, mas também a autêntica forma de ser e as exigências espirituais de seu tempo. E essa fidelidade ao espírito de uma época não é incompatível com a “perdurabilidade” da obra (PLAZAOLA, 2006, p. 21).

À luz da fé, toda expressão artística — sobretudo aquela que enaltece a dignidade humana e a beleza da obra do Criador — manifesta o mistério de Deus: “Com amorosa condescendência, o Artista divino transmite uma centelha de sua sabedoria transcendente ao artista humano, chamando-o a partilhar seu poder criador” (JOÃO PAULO II, 1999, n. 1).

Joaquim Fonseca, OFM. ISTA, FAJE. Texto enviado no dia 30/9/2023; aprovado dia 30/11/2023; postado dia 31/12/2023. Texto original português.

Referências

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