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Ética da responsabilidade
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Mística e gênero
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Mística e Práxis
Sumário
1 Mística e Práxis, definição dos termos
2 Mística e Práxis, interações recíprocas.
3 Mística e Práxis nas espiritualidades originárias
4 Mística e as Práxis da Ecumenicidade.
5 Mística e Práxis da Libertação
Conclusão
Referências
1 Mística e Práxis, definição dos termos
Mística e Práxis são termos polissêmicos, usados com valorações diferentes, segundo os períodos históricos e também de acordo com as culturas nas quais florescem. A própria palavra Mística nasceu do adjetivo grego mystikòs, derivado da raiz indoeuropeia my, presente em myein, que significa fechar os olhos e fechar a boca. Portanto, remete a algo secreto do qual não se pode falar (VELASCO, 2004, p. 16). Em geral, o termo Mística é usado para falar de uma profunda experiência interior, frequente em muitas religiões e tradições espirituais da humanidade.
As tradições xamânicas sempre conheceram os homens e mulheres do Espírito, capazes de visitar outros mundos e entrar em contato com os espíritos da natureza. As correntes espirituais do Oriente honram os Sanyasi que se tornam uma coisa só com todo o universo e sabem nos ensinar a unir a alma individual (Athma) ao espírito universal (Brahma). A sabedoria budista leva místicos e místicas à budeidade, ou seja, à iluminação interior. Em religiões como o Judaísmo, o misticismo e a Cabala ganharam força desde os séculos XV e XVI na Europa. O rabino Israel ben Eliezer fundou o Judaísmo hassídico na Ucrânia, baseado nos ensinamentos de Cabala do rabino Isaac Luria, para o qual todo ser humano e todo o universo são fagulhas da divindade. No mundo muçulmano, desde a Idade Média, místicas como Rabi’a al – Adawiyya de Basra, no Iraque (século VIII), e místicos como Al Hallaj (século X) e Jalal al-Din Rumi (século XIII), desenvolveram o Sufismo, movimento espiritual que une mística e ascetismo na fé muçulmana. No Cristianismo, desde os tempos antigos, sempre houve correntes místicas, conhecidas através de figuras como Clemente de Alexandria (século III), Dionísio Areopagita (século IV) e os pais da Igreja como Gregório de Nissa e, mais tarde, São Simeão, o Teólogo, que propunham uma Teologia Mística, isto é, a partir da experiência interior e onde se tenta expressar o que vai além das palavras e do racional.
Sobre a práxis, em 1986, Enrique Dussel iniciava o seu livro Ética Comunitária: Liberta o pobre!, com uma afirmação que ninguém pode contestar:
Lemos na Sagrada Escritura: “Frequentavam com assiduidade a doutrina dos apóstolos, as reuniões em comum (Koinonia), o partir do pão e as orações”. […] E todos os que tinham fé viviam unidos e colocavam todos os bens em comum. Vendiam as propriedades e os bens e dividiam com todos, segundo a necessidade de cada um. Todos os dias, se reuniam unânimes no templo. Partiam o pão nas casas e comiam com alegria e simplicidade de coração, louvando a Deus entre a simpatia de todo o povo” (Práxis dos Apóstolos 2,42-47).
Esses “fatos” (na realidade feitos, ou Atos dos Apóstolos, se escreve em grego Práxeis Apostólon que devemos traduzir por “Práxis” dos Apóstolos), nos lembram que a essência da vida cristã é a comunidade, o estar junto com os outros; e também é a essência do Reino: “estar junto a Deus”, face a face com ele em comunidade (DUSSEL, 1986, p. 17).
Aí vemos como Dussel une a Práxis como compromisso ético e comunitário com o “estar face a face com Deus”, ou mergulhado/a no Mistério, ou seja, a Mística.
Qualquer pessoa que estuda a história das diversas religiões organizadas e, especificamente, a história do Cristianismo, sabe que esse modo de ligar Mística e Práxis nunca chegou a ser consenso, nem sempre fez parte dos ensinamentos místicos. No entanto, se fazemos uma hermenêutica que vai além dos textos “e por trás das Palavras”, também na história da Mística, podemos ir além dos escritos e perceber como, na história, a maioria dos místicos e místicas sempre uniu a intimidade com o Divino e o amor social.
Na Idade Média, no Ocidente, tivemos grandes figuras místicas, como o Mestre Echkart, e muitas místicas, como Hildegarda de Bingen e as beguinas do território onde hoje é a Bélgica, Matilde de Magdeburg, Beatriz de Nazaré, Hadewijch, Marguerite Porete e muitas outras místicas e escritoras. Mais tarde, no século XVI, na Espanha, Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz.
Em todos estes diferentes movimentos ou correntes da Mística Cristã, a Mística sempre é vista como surgindo da experiência interior e da prática do amor. Isso pode ser dito, de um modo ou de outro, das mais diferentes escolas de Mística nas diversas tradições espirituais.
Nas religiões, durante séculos, eram chamadas de “experiências místicas”, êxtases, visões e estados alterados da consciência, que caracterizariam um grau mais elevado de contato com o Divino. Entretanto, místicos e místicas de diversas religiões concordam que, embora o amor sempre seja uma experiência inefável e maravilhosa, a mística pode ter esses momentos extraordinários, mas não se define por eles (Cf. LONGCHAMP, 2004, p. 1161). A Mística vem da experiência íntima e pessoal e, de certa forma, a transcende, no sentido de que vai além daquilo que se pode compreender racionalmente (LÓPEZ-BARALT, 2009, p. 373- 375).
O fato de afirmar que a Mística vem da prática não quer dizer imediatamente que há uma relação de interdependência entre Mística e Práxis. Devemos distinguir a prática como modo de viver no sentido pessoal ou interior e a Práxis como, em geral, é compreendida por pensadores como Antonio Gramsci, Paulo Freire e pelos atuais movimentos sociais.
Assim como o termo Mística, também a palavra Práxis tem sentido variado. Na Filosofia grega clássica, desde Platão e Aristóteles, a práxis era o termo para designar a atitude ou postura de vida e parecia oposto à teoria, como contemplação pura (theôria) devendo, por isso, ser a ela subordinado.
Karl Marx inverteu o paradigma aristotélico e atribuiu à práxis um lugar privilegiado, sustentando que, na transformação intencional do mundo pelos seres humanos, eles criam a si mesmos, bem como ao mundo ao seu redor (BONINO, 2005, p. 920).
Para Paulo Freire, a educação se dá a partir da consciência de que toda pessoa é um ser inacabado e em constante construção. A educação é o processo pelo qual, através do diálogo e da interação entre si e com o mundo, as pessoas vão se construindo e reconstruindo. Nessa perspectiva, a práxis consiste no próprio processo educativo e une em si teoria e prática em uma relação complementar e interativa (FREIRE, 2021, p. 37). Assim, podemos dizer que toda práxis é prática, mas nem toda prática é práxis.
Pedro Casaldáliga e José Maria Vigil afirmam:
Em nosso continente, uma ‘pedagogia do oprimido’ sintetizada paradigmaticamente por Paulo Freire, com todo o trabalho de conscientização das massas ou comunidades, grupos e líderes, vem sendo realizada num vaivém de teoria e prática, de ação e avaliação que desemboca novamente na práxis (CASALDÁLIGA; VIGIL, 1996, p. 74- 75).
Desde a última década do século XX, em todo o mundo, movimentos populares como a Via Campesina e, na América Latina, movimentos do campo e da cidade, têm se apropriado do termo Mística para designar dinâmicas e expressões celebrativas que ajudam as pessoas a se manterem firmes em suas convicções e a aprofundarem as motivações mais profundas das causas pelas quais lutam (Cf. RODRIGUES DE SOUZA, 2012, p. 47). De todo modo, mesmo se os caminhos da espiritualidade sempre vão além do campo propriamente religioso, no caso dos movimentos sociais, a busca de uma Mística sociorrevolucionária teve sua inspiração na espiritualidade religiosa cristã ou de tradições negras e indígenas.
É a partir dessa compreensão que buscamos aprofundar a relação entre Mística e Práxis. Vamos tomar como ponto de partida a reflexão da Teologia Latino-americana e a perspectiva das culturas originárias e do Cristianismo da Libertação em perspectiva decolonial.
2 Mística e Práxis, interações recíprocas
Ser o que se é.
Falar o que se crê.
Crer no que se prega.
Viver o que se proclama
até às últimas consequências (CASALDÁLIGA).
Que Mística e qual Práxis?
Queremos aqui aprofundar a Mística no sentido da profunda vivência interior que é como mergulho no Amor Divino. Esta experiência mística existe nas mais diferentes correntes espirituais e religiosas e pode também ser vivida nos processos sociais e políticos de libertação.
Devemos compreender a Práxis não apenas como a prática que decorre de uma teoria justa e adequada. É certo que a Práxis está muito ligada a esse sentido de coerência pessoal entre o que se crê e o que se pratica. No entanto, no pensamento ético latino-americano, representado, por exemplo, por Enrique Dussel, a Práxis é mais do que a coerência entre teoria e prática. É como ato primeiro e fundamentado na Ética comunitária (DUSSEL, 1986, p. 17) e sempre diz respeito à prática social e política de caráter libertador.
Talvez haja quem ainda estranhe ver o termo Mística associado a processos sociais e políticos, como a motivação mais profunda pela qual as pessoas assumem as lutas sociais e políticas. Esse uso já está consolidado e devemos aceitá-lo exatamente porque ele vem da Práxis e não só da teoria. No entanto, aqui pensamos a Mística no sentido das tradições espirituais e da história mais ampla que considera a Mística como o coração da espiritualidade. Entretanto, é bom lembrar que o saudoso padre Henrique Cláudio de Lima Vaz classificava a Mística em três tipos: a Mística profética, a mistérica e a especulativa (VAZ, 2000, p. 29-75).
Atualmente, em uma visão mais pluralista, podemos crer que toda corrente espiritual contém algo de revelação divina. Portanto, toda Mística, seja qual for sua linguagem e cultura, tem algo de profético. É inspiração divina e se desenvolve pela graça. Esta dimensão profética é comunicação do Mistério do Amor Divino ao mundo. Mesmo se não tem explicitamente nenhuma mensagem diretamente social, guarda sempre um vínculo com a comunidade e a sua base que é a caridade, ou seja, a solidariedade amorosa.
Nesse processo de interação entre Mística e Práxis libertadora, há uma forte diferenciação de grau e mesmo de natureza. Evidentemente, a Mística desenvolvida pelos monges yoguis do Himalaia não tem a mesma intensidade da Práxis social de um poeta e profeta místico como na América Latina tivemos Ernesto Cardenal, Pedro Casaldáliga, ou a monja poetisa Agostinha Vieira de Mello, entre muitos outros e outras.
Nessa relação entre Mística e Práxis, alguns pontos ainda têm de ser aprofundados. Na maioria das tradições, a Mística tem sido vista comumente como algo interior e íntimo de cada pessoa e a noção de Práxis aqui exposta é de ação eminentemente relacional e social. Como podem se articular, então, a Mística que é interioridade e a Práxis que é social?
Talvez, possamos aprender com as culturas originárias da Abya Yala e com as comunidades de matriz africana as raízes sociais e o teor comunitário da Mística que não perde em nada do seu caráter de interioridade, inclusive com direito a transes e possessões extáticas, mas como elementos sempre vividos na comunidade e orientados para o bem-comum.
Desde as últimas décadas do século XX, em diversas Igrejas latino-americanas inseridas na caminhada do povo, o martírio foi uma realidade por demais presente. Muitos dos irmãos e irmãs que deram a sua vida pela causa do reinado divino da justiça e da libertação não eram em si religiosos, mas viviam uma Mística no sentido de intensa paixão pela vida e pela justiça. Muitos e muitas eram cristãos de comunidades eclesiais e pastorais sociais. A maioria desses/as mártires partiram da Ética de libertação e se alimentaram de uma profunda Mística profética para enfrentar o risco do martírio e ser fiéis até o fim à causa pela qual deram a vida.
3 Mística e Práxis nas espiritualidades originárias
O verdadeiro Pai Ñamandu, o primeiro, estando para fazer descer à morada terrena o bom conhecimento para as gerações dos que levam a insígnia da masculinidade e o emblema da feminilidade, disse a Jakirá Ru Eté: […] Olha meu Filho Tupã Ru Eté, aquele que eu concebi para o meu refrescamento, faz com que Ele se aloje no centro do coração de nossos filhos. Unicamente assim, os numerosos seres que se erguerão na morada terrena, ainda que queiram desviar-se do verdadeiro amor, viverão na harmonia (AYVU RAPYTA, 1997, p. 57).
Em todas as comunidades originárias, algo que sempre chama a atenção é a dimensão profundamente mística da espiritualidade. Toda a vida é permeada por ritos, preces e experiências místicas. De fato, como os povos indígenas e as comunidades negras poderiam ter sobrevivido a uma guerra assassina de mais de 500 anos, a tantos massacres e a uma política sistematicamente genocida da sociedade escravagista, se não fosse movida por forte Mística de amor à vida, de solidariedade comunitária e de opção pela alegria e pela beleza, como caminhos de intimidade com o Mistério?
É verdade que a conquista e a colonização provocaram na América “o maior genocídio da história da humanidade: mais de 70 milhões de vítimas entre os povos originários” (GRONDINO/VIEZZER, 2021, p. 24- 25).
Muitos desses povos originários mantêm sua peculiaridade cultural e sua espiritualidade própria. Por isso, seria superficial ou leviano falar em “mística indígena” ou querer resumir em poucas frases a riqueza dessa diversidade. A primeira observação a fazer é que para entrar nesta terra sagrada e martirial (custou o sangue de muitos pais e mães da fé e da espiritualidade), temos de entrar de pés descalços, nus de qualquer pretensão de julgamento ou classificação e de coração aberto a acolher interiormente a Palavra do outro.
Muitas vezes, o Xamanismo e a Pajelança, como é conhecido este fenômeno no norte do Brasil, se apresentam como atividades de cura individual. As funções xamânicas não são cargos ou profissões estruturadas e sim experiências místicas que homens e mulheres assumem carismaticamente como forças espirituais que existem em todos/as e são vividas comunitariamente.
Mesmo se são diferentes umas das outras, essas tradições têm em comum o fato de serem instrumentos de comunicação das pessoas e comunidades com o espírito presente e atuante em cada ser vivo e na natureza. Quase sempre, visam reconstituir a saúde das pessoas e o bem-viver coletivo e pessoal, ou seja, o equilíbrio de relações entre a humanidade e a natureza. Em geral, fazem isso através do transe, êxtase ou sonho de revelação (BALDUS, 1966, p. 87).
Muitas dessas tradições incorporam em seus ritos bebidas consideradas de poder ou fumos, elementos que possibilitam sonhos proféticos, transes e estados alterados de consciência. Muitos desenvolvem relações especiais com animais e a comunicação com o espírito do animal-totem serve como elemento de cura e harmonização da vida. Quase todas fazem parte de um caminho iniciático e por isso secreto. São guardiães de tradições ancestrais que vão se entrecruzando e assimilando elementos de outras culturas e mesmo da sociedade dominante.
Poucos brasileiros sabem que antes de existirem no Brasil, no século XVII, os quilombos de negros e negras que fugiam da escravidão e se refugiavam comunitariamente nas matas, já na metade do século XVI, foram os índios Tupinambás no Nordeste (Bahia) que formaram as primeiras comunidades de índios e índias fugidos da escravidão e da catequese jesuíta. É sintomático que os jesuítas deram a essas comunidades coordenadas por Xamãs ou Pajés, o nome de “Santidade”. No início, esse nome (na língua tupi: caraimonhang) era dado aos rituais nos quais os pajés entravam em contato com os ancestrais mortos, algumas vezes, os encarnavam e exortavam o grupo à resistência mesmo armada e à busca da terra sem males. Os estudos mostram que até o século XVIII, os movimentos de levantes indígenas e suas migrações para longe da escravidão eram ainda chamados de Santidade (VAINFAS, 1998, p. 79).
Toda essa história é secreta. Podemos simplesmente intuir que até hoje, muitas práxis de resistência indígena têm por trás essa Mística. Mesmo quando lembramos a insurgência zapatista dos índios do Sul do México, é bom valorizar a função dos Xamãs e das Pessoas do Espírito nas mobilizações sociais e na resistência dos povos.
Com relação às comunidades negras, não há ainda um estudo conclusivo sobre como se manifestavam as espiritualidades de matriz africana antes da organização dos Candomblés e da instituição oficial da Umbanda no início do século XX. No entanto, é evidente a relação entre a Mística negra e a práxis de libertação, seja nas comunidades negras cristãs que usavam as confrarias como instrumentos de compra e libertação de escravos, seja no próprio fato de grupos negros que guardaram as tradições e foram capazes de uni-las para formar as espiritualidades negras propriamente brasileiras, ou colombianas ou cubanas.
Sobre a Práxis atual dessas espiritualidades originárias, podemos destacar alguns elementos como:
- Místicas de caráter ecocósmico.
As espiritualidades índias e negras nos ensinam que além de interligado, tudo contém de alguma forma a vida. Tudo contém espírito. Os povos indígenas do Nordeste nos falam nos Encantados.
A partir do diálogo com as espiritualidades dos povos originários da Austrália e da Polinésia, em um livro recente, o teólogo irlandês Diarmuid O’Murchu escreve:
Enquanto a maior parte das principais religiões define Deus como Espírito transcendente (uma realidade desencarnada para além do tempo e do espaço, mas com impacto profundo sobre o tempo e o espaço), a visão do Grande Espírito descreve a presença íntima e permanente de Deus através de toda a vida orgânica, em primeiro lugar, dentro e através da própria criação material. É através da nossa interação cósmica com o terrestre que encontramos e experimentamos o Grande Espírito (MURCHU, 2018, p. 164).
- Místicas que valorizam o corpo e o cotidiano da vida
Elas nos ensinam a redescobrir o Espírito na beleza do corpo, na valorização do erotismo, na comida, na bebida, na dança e assim por diante. Mostram que o equilíbrio humano está ligado aos animais e às plantas. Em algumas espiritualidades originárias, a natureza está dentro da gente. Por isso, no Candomblé, alguém é filho de Xangô, isso é, do raio, outra pessoa é filha ou filho do vento, filho das águas etc. Em povos indígenas da América do Norte, você tem um animal de poder que guia ou acompanha a sua vida.
- Uma Mística social e política do bem-viver
Nas místicas indígenas, o comunitarismo é fundamental. Em alguns povos, o fato de alguém abstrair-se da vida comum é considerado perigoso para a pessoa e para todo o grupo. Pode atrair energias negativas e até a morte. É isso que tem ajudado tanto as comunidades índias a resistirem e até a se reestruturarem nas últimas décadas, assim como é isso que está na raiz de um novo projeto social e político latino-americano para um socialismo do século XXI. Para quem aceita se inserir nessa visão, é preciso buscar novo estilo de economia e de política que, como já vimos, é o suma kawsat do povo quéchua, suma qamaña dos aymara, teko-porã dos Guaranis ou simplesmente o bem-viver. E a teologia decolonial mostrou um profundo diálogo e sintonia entre o Bem viver indígena e a proposta de Jesus do reino de Deus (Cf. CUNHA, 2019). É uma proposta política que os representantes dos povos andinos conseguiram colocar como objetivo do Estado pluriétnico, tanto na nova Constituição da Bolívia, como na Constituição do Equador.
4 Mística e as Práxis da Ecumenicidade.
Meu coração está aberto a todas as formas:
É uma pastagem para as gazelas,
E um claustro para os monges cristãos,
Um templo para os ídolos,
A Caaba do peregrino,
As tábuas da Torá,
E o livro do Corão.
Professo a religião do amor,
Em qualquer direção que avancem seus camelos;
A religião do amor
Será minha religião e minha fé (IBN ARABI, apud TEIXEIRA, 2015, p. 56).
Não basta afirmar que a Mística para ser verdadeira e profunda transcende tradições particulares e abraça a dimensão universal do Amor. De certo modo, Místicos e Místicas das mais diversas correntes espirituais e em todos os tempos podem afirmar como Ibn Arabi a religião do Amor.
É preciso sublinhar que, como esse Amor é o Amor criador da vida e do bem-viver, a Mística se expressa em uma Práxis ecumênica que tem natureza comunitária e libertadora.
Na história do Ecumenismo, muitas vezes, o diálogo inter-fé e inter-religioso avançou muito mais através da abertura espiritual dos místicos e místicas do que propriamente pelo trabalho teológico de criar pontes e consensos doutrinais.
Podemos afirmar que o Diálogo é um gênero literário inventado pelas religiões antigas e faz parte da Mística. Nas mais diversas correntes espirituais, o Divino se torna acessível à humanidade através do diálogo.
Os hinos do Rig-Veda são em diálogo. O Bhagavad-Gita contém os diálogos de Krisna. As escrituras budistas nos transmitem os diálogos de Buda. Na China, se conservaram as conversas de Confúcio e os ensinamentos de Lao-Tsé. No Avesta, Zaratustra fala com Arimã. Na Bíblia, Abraão, Moisés e os profetas têm a experiência mística ou iniciática do diálogo com Deus. Escutam a voz de Deus. Os evangelhos contam que quase todas as parábolas e ensinamentos de Jesus são dados a partir de perguntas e em forma de diálogo. Muitos mishna do Talmud são feitos de diálogo entre rabinos e discípulos. O Monaquismo passou do Oriente ao Ocidente, através das Colações ou Colóquios dos monges contados por João Cassiano (século IV). Na Arábia do século VII, o profeta Muhamad (Maomé) escuta o anjo Gabriel e com ele dialoga para escrever o Corão.
Tornou-se célebre na História a busca do diálogo e a aproximação entre Francisco de Assis e o sultão muçulmano em meio ao ambiente das Cruzadas. Na história da Mística cristã, o diálogo espiritual teve muitos exemplos, como o Libre de l’amie et l’amant, de R. Lulle (1277), as visões e o Libro della divina dottrina, de Catarina de Sena (1378). Mesmo no campo teológico, em plena Idade Média, temos os diálogos inter-religiosos fictícios como o Dialogus inter philosophum, judaeum et christianum, de Abelardo (1141) e o Dialogus de Deo abscondito entre Christianus et Gentilis, de Nicolau de Cusa (1453).
No século XVI, Francisco Xavier (1506-1552) se destacou pelo diálogo espiritual com os religiosos da religião japonesa (BASSET, 1996, p. 73). No século XX, o irmão Charles de Foucauld retoma a mística da irmandade universal e a ecumenicidade do amor junto aos Tuareg do norte da África.
Na segunda metade do século XX, a campanha contra a guerra do Vietnã, a luta pacífica contra o armamentismo e a relação entre Mística e Práxis de Justiça e Libertação contou com o protagonismo, entre outros, de um monge trapista dos Estados Unidos: Thomas Merton. Ao mesmo tempo em que sua palavra tomava a defesa dos movimentos pela Paz e contra a guerra, ele se inseria no diálogo com o Dalai Lama e os monges budistas de diversas tradições. Em Calcutá (1969), um dia antes de falecer, em sua última conferência interreligiosa entre monges cristãos e budistas, Thomas Merton afirmou:
O nível mais profundo da comunicação não é a comunicação, mas a comunhão. Ela é sem palavras. Ela está além das palavras, além dos discursos, além dos conceitos. Na solidariedade aos pequeninos do mundo, não estamos descobrindo uma unidade nova. Descobrimos uma unidade antiga. Queridos irmãos e irmãs, nós já somos Um. Mas imaginamos não ser. O que temos de reencontrar é nossa unidade original. Apenas, temos de ser o que já somos (BASSET, 1996, p. 122).
É essa perspectiva de comunhão que moveu místicos como Luis Massillon, cristão francês do início do século XX, no diálogo e inserção espiritual com a fé muçulmana. Levou monges beneditinos como Henri le Saux, Bede Griffits e outros a viverem como Sanyasis hinduístas na Índia sem deixar de ser monges cristãos (Cf. TEIXEIRA, 2013).
Essa mesma Mística conduziu o teólogo, químico e filósofo Raimon Panikkar a unir Cristianismo e Hinduísmo no Cosmoteandrismo que ele propunha (TEIXEIRA, 2010, p. 363).
Aqui no Brasil, na década de 1970, o padre francês François de l’Espinay se inseriu em Salvador, BA, na comunidade de Candomblé da Mãe Olga de Alaketu e viveu inserido nessa comunidade, como Obá de Xangô, sem perder sua fé cristã e a vocação presbiteral (L’ESPINAY, 1987, p. 639).
Nessa perspectiva, o Conselho Mundial de Igrejas realizou em Kyoto, em 1987, um encontro sobre Espiritualidade no Diálogo inter-religioso, analisando a importância da espiritualidade e da Mística para as relações inter-religiosas. De certa forma, podemos afirmar que a Mística é a primeira prática concreta do ecumenismo cristão e também do que, na América Latina, desde 1992, costumamos chamar de “macro-ecumenismo”, ou seja, a ecumenicidade no caminho do reino de Deus que não é só inter-religioso, mas intercultural e em todas as dimensões do humano.
Na história do Ecumenismo cristão, desde o início, “a tradição do Cristianismo Prático” tem sido poderoso componente do Movimento Ecumênico. Ele encontrou expressão polêmica no slogan: “a doutrina divide, mas a ação une”. Na realidade, os encontros de diálogo têm conseguido reconciliar doutrina e ação, Mística e Práxis (BONINO, 2005, p. 920).
No Brasil, desde o começo da caminhada das Igrejas inseridas nos movimentos populares e na vida das Comunidades de Base, pastorais com lavradores, índios, operários ou sofredores da rua, conviveram bem com a ecumenicidade das lutas pacíficas no campo e na cidade. Lavradores de várias Igrejas cristãs e de outras religiões ou mesmo sem religião lutam juntos pela Reforma Agrária e pela justiça no campo. Do mesmo modo, operários, índios e trabalhadores/as dos mais variados setores. Se, em meio a essa luta ecumênica, não se procura também explicitar um caminho de diálogo e comunhão na expressão da fé, pouco a pouco, se pratica uma separação de fé e vida, contra a qual lutamos nas Igrejas mais tradicionais.
Até para a própria eficácia da ação social, a união entre Mística e Práxis supõe que as pastorais chamadas sociais, à medida que assumem a ecumenicidade das lutas, assumam e aprofundem também a dimensão ecumênica da fé e da espiritualidade.
5 Mística e Práxis da Libertação
‘Há tempos em que a melhor maneira de dizer é fazer’ (José Martí). Cremos que há lugares em que a melhor maneira de dizer libertação é fazê-la. Todos os latino-americanos e latino-americanas que vivem com espírito, fazem da práxis a verificação de seus ideais e de seu destino. Aqui a ideologia é militância. A fidelidade à pendência é ortopráxis, e a fé é amor. ‘Obras são amores’ (CASALDÁLIGA; VIGIL, 1996, p. 74).
Em termos de fé ecumênica e de um Cristianismo fiel ao seguimento de Jesus Cristo, não podemos distinguir Mística e Mística da Libertação, assim como soa incoerente falar em Pastorais Sociais, como se houvesse alguma Pastoral que não devesse ser verdadeiramente social. Do mesmo modo, em seu próprio DNA, mesmo que seja implícita, toda Mística tem uma dimensão social e libertadora.
É claro que em algumas pessoas e culturas, a dimensão social e libertadora se expressa na veracidade das relações e na solidariedade básica do amor social. Em outras, em entrega da vida tão forte à caridade (amor solidário) que esta expresse a Mística Amorosa da intimidade divina. Em outros e outras, enfim, essa dimensão mística toma a expressão de uma profecia social e política de caráter explicitamente libertador.
No primeiro caso, podemos compreender, assim, a Mística de alguém como Etty Hillesum. Na segunda parte do século XX, se tornaram conhecidos os escritos (cartas) e o Diário dessa jovem holandesa de família judaica, aos 28 anos, morta pelos nazistas no campo de concentração de Auschwitz, em novembro de 1943. Principalmente, o Diário, iniciado em março de 1941 e concluído em outubro de 1942, revela uma jovem que não frequenta sinagoga, nem Igreja. No entanto, escreve:
Quando oro, nunca oro por mim mesma. Oro sempre pelos outros, ou dialogo de maneira louca, infantil ou seríssima com a parte mais profunda de mim mesmo que, por comodidade, chamo de Deus. E mais tarde: E isso, provavelmente, expressa melhor o meu amor pela vida (HILLESUM, 1985, p. 13).
É essa mística pela vida e pelo amor solidário que fez com que, quando viu o seu povo ser preso e mandado a campos de concentração, mesmo se poderia ter escapado, visto que namorava um oficial alemão, se apresentou aos nazistas como judia e foi presa. Até hoje, frases do seu Diário ressoam no mundo inteiro, clamando por mudança no modo em que as pessoas pensam em Deus.
Dentro de mim, há um poço muito profundo. Nem consigo ver o seu fundo. Às vezes, me parece coberto de pedras e lixo. Para mim, Deus está sepultado. Em alguns momentos, consigo desenterrá-lo e posso até ajudar outras pessoas a desenterrarem-no em seus corações. Percebo que em uma situação como essa, ó Deus, tu não podes nos ajudar. Mas, nós podemos fazer muito por ti. Podemos ajudar-te a não te deixar sepultado em nós e a ser testemunhas do teu amor em uma realidade na qual todo amor é abolido e chacinado (HILLESUM, 1985, p. 169).
É essa revolução na concepção de Deus que, conforme os Evangelhos, Jesus de Nazaré tinha proposto e que foi o elemento revolucionário mais difícil de ser absorvido, seja pelos impérios do mundo, seja pelas religiões e, até hoje, o é pelas próprias Igrejas que se dizem cristãs.
No segundo caso, a Mística do cotidiano, podemos compreendê-la no sentido do que o Papa Francisco escreveu:
Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam seus filhos com tanto amor, nos homens e nas mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. (…) Essa é, muitas vezes ‘a santidade ao pé da porta’, daqueles/as que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus” (Gaudete et Exsultate, n. 7).
Para tratar do cuidado com o outro, a CNBB, no Manual da Campanha da Fraternidade de 2020, tomou como referência a figura da Irmã Dulce dos pobres.
Essas expressões mais universais não diminuem em nada o terceiro tipo ou mais precisamente “a mística da caminhada libertadora”, que, na América Latina, desde a 2ª conferência dos bispos em Medellín (1968), tem sido tão forte e tem suscitado tantos irmãos e irmãs que aprofundaram a Mística e dos quais não poucos viveram o Martírio.
Atualmente, quando se fala em Mística da caminhada, imediatamente, nos vêm à mente e ao coração figuras como Pedro Casaldáliga, no Brasil, Ernesto Cardenal, na Nicarágua, a poetisa Júlia Esquivel, em Guatemala, e tantos outros irmãos e irmãs que viveram e muitos vivem ainda a busca da mais profunda intimidade divina no compromisso com a libertação integral de nossos povos.
Essas pessoas testemunham que o desafio da Mística não é apenas fornecer uma motivação ideológica forte para a luta, como pode parecer nas dinâmicas dos encontros de alguns movimentos sociais. Sem negar essa possibilidade justa e necessária, a Mística tem como vocação ir mais longe. Revela que toda luta pela justiça e pela libertação é lugar de encontro e intimidade com o Divino, como a Bíblia revela que foi no meio do deserto da luta, que os hebreus receberam de Deus a aliança de amor. Durante toda a tradição bíblica, o Êxodo da libertação sempre foi considerado “o tempo do namoro com Deus” (Jr 2,2) e o povo de Deus sempre foi chamado a “retomar o primeiro amor” (Ap 2,5).
Essa Mística da Libertação é, antes de tudo, Mística da Vida, como expressava Etty Hillesum e, na perspectiva propriamente cristã, expressa a teóloga Maria Clara Bingemer:
A fé cristã afirma ser a experiência do encontro com esse Deus em Jesus Cristo a experiência de um sentido radical do existir, uma teonomia fundante da liberdade e responsabilidade pessoais, enraizamento experiencial da pessoa e do Incondicionado no Absoluto com nome próprio e rosto amoroso que lhe assegura, a um só tempo, a liberdade e o limite (BINGEMER, 2013, p. 287).
Não precisamos aqui retomar toda a História das lutas sociais e das conquistas civis para ver o lugar dos místicos e místicas no cerne dessa aventura pela vida e pela libertação. Já no século XIX, na Argélia, a luta contra a invasão francesa foi liderada pelo Emir Abd-al-Qadir, praticante da Mística sufi (Cf. Livro das Religiões, Globo, p. 282). No século XX, a linguagem espiritual e mística do pastor Martin-Luther King mobilizou negros cristãos, muçulmanos e de tradições ancestrais contra o racismo e pela dignidade de todas as pessoas humanas. Já antes, na Índia, a atividade do Mahatma Gandhi uniu pessoas de várias correntes espirituais no movimento de independência, assim como depois, o arcebispo Desmond Tutu e o ativista social Nelson Mandela uniram a África do Sul e todas as pessoas de boa vontade do mundo contra o apartheid.
Seria impossível aqui enumerar a experiência mística de tantas pessoas que viveram a Mística mais profunda a partir da inserção amorosa e solidária às lutas do povo. No século XX, na França, tivemos o exemplo de uma pensadora e mística como Simone Weil, que soube unir fortemente Ética solidária, Práxis de comunhão com as classes de trabalhadores/as oprimidos/as e a busca da intimidade com Deus (Cf. BINGEMER, 2007).
A História e os livros registram os Místicos e Místicas que se destacaram e se tornaram famosos. Na América Latina e no Brasil, a caminhada de libertação tem uma comunidade imensa de místicos e místicas que nasceram e viveram no meio dos mais pobres e podem ser para nós mestres e mestras dessa Mística a partir da Práxis de solidariedade e libertação. São tantos nomes no campo e nas cidades, místicos e místicas da caminhada eclesial, mas também de outras tradições espirituais, como também pessoas que nem se identificam com nenhuma corrente religiosa, mas vivem a Mística da Vida e do Amor solidário. Podemos lembrar a figura excepcional do nosso profeta Helder Camara que, com justiça, foi considerado como um dos pais da Igreja na América Latina (COMBLIN, 2009, p. 620). Como pai da Igreja, em todo o seu trabalho pastoral e no seu testemunho de fé profética, principalmente, no Concílio Vaticano II (1962- 1965) e na 2ª Conferência do episcopado latino-americano em Medellín (1968), uniu e ensinou a unir a dimensão profética da fé com seu alicerce místico e espiritual. A expressão de sua Mística foi toda a luta para tornar eficaz no mundo a Ação Justiça e Paz, a partir da Não-violência ativa e do que ele chamou “as minorias abraâmicas”. Do mesmo modo, não podemos deixar de recordar a figura de Oscar Romero, arcebispo mártir de San Salvador, assim como de uma multidão de irmãos e irmãs que, como diz a Carta aos Hebreus, se constituem para nós como “uma grande nuvem de testemunhas” (Hb 12,1).
Todos esses irmãos e irmãs nos ensinam, entre outras coisas, duas lições importantes: a primeira é que a Mística não é algo extraordinário, acessível apenas a uma elite espiritual ou religiosa. Todos/as nós somos chamados/as a viver a intimidade com o Mistério e podemos viver essa experiência na Práxis da caminhada libertadora. A segunda é que quanto mais aprofundamos a opção social e política libertadora mais podemos viver a Mística profética do Deus que é Amor e só pode amar. Essa união entre o mais íntimo dentro de nós e a dimensão social e política se faz quando assumimos o Amor não só como sentimento, mas como postura de vida. Como, no século IV, escreveu Santo Agostinho: “Apontem-me alguém que ame e ele sente o que estou dizendo. Deem-me alguém que deseje, que caminhe neste deserto, alguém que tenha sede e suspira pela fonte da vida. Mostre-me esta pessoa e ela saberá o que quero dizer” (AGOSTINHO, Comentário sobre o evangelho de João 26,4, 2023).
Conclusão
Em todos os caminhos espirituais, a Mística é o mergulho no mais profundo da experiência interior e se dá por uma progressiva educação para a amorosidade. Ela é íntima e pessoal, mas não individualista ou isolada do social. Ao contrário, nas tradições mais antigas e nas espiritualidades negras e indígenas, ela se dá sempre no seio da comunidade.
Na tradição judaico-cristã, conforme alguns dos mais antigos textos bíblicos, o próprio fenômeno da profecia se dava a partir do transe místico (1Sm 10,5-6). No entanto, essa experiência interior se expressa na práxis que é a ética comunitária e garantidora de profunda humanização. No Cristianismo, a Mística significa abrir-se radicalmente à ação do Espírito Divino que conduz cada pessoa e a história da humanidade para a plenitude do Reino. Como afirma o livro da Sabedoria: “O Espírito do Senhor enche toda a terra e abrangendo tudo, tem conhecimento de cada som e cada palavra” (Sb 1,7).
Marcelo Barros é monge beneditino e escritor. Foi coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT) de 2010-2018. Assessor de movimentos sociais e comunidades eclesiais de base. Texto submetido em 30/11/2022; aprovado em 30/10/2023; postado em 31/12/2023. Original português.
Referências
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Mística Contemporânea
Sumário
Introdução
1 Características da mística contemporânea
2 Encontrar o mistério divino hoje: entre secularidade e pluralidade
3 Mística: experiência, prática e linguagem do amor
4 Mística contemporânea: caminho contracultural
Conclusão
Referências
Introdução
A época em que vivemos é nomeada de diferentes modos: modernidade, modernidade tardia, hipermodernidade, pós-modernidade, entre outras. Tal como diz a V Conferência do Episcopado Latino-americano, em Aparecida, 2007, não se trata apenas de uma época de mudanças, mas de uma “mudança de época”.
Um dos impactos mais profundos que essa mudança de época apresenta, sem dúvida, é o que incide sobre a religião. Se no iluminismo a razão humana começa a ganhar destaque e passa a ser o princípio fundamental que rege a vida humana e se constitui como cânon inapelável da verdade, hoje a configuração da existência é outra. A crise da modernidade vai ser sucedida por um novo estado de coisas que o conhecimento humano está longe de haver assimilado exaustivamente. No século XX esse novo processo aparece com mais clareza. E no que já se viveu do século XXI, alguns elementos se confirmaram e houve igualmente o surgimento de novas perspectivas.
O Cristianismo histórico, religião até aqui indiscutivelmente majoritária e hegemônica no hemisfério ocidental, verá surgir bem perto de si e mesmo em suas fileiras fenômenos como o teísmo, o secularismo, o ateísmo e o agnosticismo. Suas fileiras começarão a ser drenadas por novos cristianismos de características mais extrinsecistas e catárticas que trazem consigo novas concepções de mundo, incidindo não apenas na pertença religiosa em geral, mas na configuração social e política dos estados que se autocompreendiam como laicos.
A razão iluminista, potente e soberana, questiona todo o sistema de compreensão e entendimento que antes imperava. Já não mais autocompreendida como império da razão, nossa época assiste à fragmentação das grandes narrativas e utopias e é obrigada a repensar e ressignificar todos ou quase todos os conceitos que antes lhe davam sustentação teórica.
O século XX é chamado século sem Deus, Nele até as divindades são efêmeras e fugazes, identificando-se com objetos de consumo. Esse estado de coisas se prolonga no século XXI, intensificando alguns de seus aspectos: a fragmentação, a diversidade, a fluidez das relações e das identidades. Nesse contexto, as experiências “religiosas”, no entanto, continuam a multiplicar-se, desconhecendo, porém, muitas vezes os limites das instituições propriamente ditas.
Assim, as experiências ditas místicas, entendidas como de união com o mistério e o divino, e mesmo as correntes e escolas místicas continuam a acontecer na contemporaneidade. Trazem, porém, uma nova configuração, rompendo espaços, fronteiras e realizando sínteses novas e inusitadas. Os estudos da mística voltam novamente a acontecer, mas não se restringem aos limites das igrejas ou das religiões institucionais. Acontecem em uma transdisciplinaridade sempre mais acentuada, correspondente à pluralidade religiosa que marca hoje a relação do ser humano com a transcendência.
A mística hoje é objeto de busca e de estudo por pesquisadores de várias áreas; teólogos ou cientistas da religião; estudiosos oriundos de outras áreas, como a literatura, a filosofia, a antropologia; leitores mais ou menos letrados ou mesmo não crentes de todos os cortes e configurações institucionais. Talvez isso se deva à perda de importância no espaço público, por parte da Igreja instituição, que fez a atenção à mística “migrar” de dentro de seus limites para outras áreas exteriores a ela. Já em 2012, o teólogo estadunidense Roger Haight, em entrevista a Junges e Dalla Rosa, na revista do Instituto Humanitas da Unisinos, declarava que a Igreja perdeu relevância pública, o que estimulou o “surgimento da espiritualidade em contraposição à religião porque a Igreja não é mais vista como uma fonte de espiritualidade humanística” (JUNGES; DALLA ROSA, 2012, p. 18-21). Evidentemente Haight pensava aqui na Igreja Católica Romana, da qual faz parte, inclusive enquanto religioso jesuíta. Mas o mesmo se poderia dizer de outras igrejas cristãs históricas. Em uma época como a nossa, os vestígios de Deus são quase invisíveis e as religiões parecem tomar uma forma nebulosa e “vaga”. Isso não impede, porém, que as experiências místicas continuam a acontecer forte e inesperadamente, ainda que com diferentes sínteses em relação a épocas anteriores
Para entender, portanto, a mística na contemporaneidade examinaremos algumas circunstâncias que cercam a vida dos místicos que viveram e vivem nesta mesma época. Não pretendemos nem poderíamos esgotar aqui todos os homens e mulheres que fazem em sua vida a experiência interior profunda e inefável de sentir-se unidos ao mistério por uma iniciativa que muitas vezes não saberiam dizer de onde vem, mas com respeito à qual têm uma certeza: não vem deles mesmos nem por eles mesmos foi produzida.
1 Características da mística contemporânea
Os místicos e as místicas contemporâneos não serão mais encontrados principalmente dentro dos espaços sagrados, entendendo-se por tais os claustros, os conventos, as igrejas, as ordens religiosas. Sua existência será descoberta nas fábricas, em meio ao barulhento e estressante ritmo das máquinas e das indústrias. Ou nas ruas com os mais pobres e excluídos do progresso. Ou na prisão, devido a sua atividade e a seu compromisso, considerados perigosos pelas autoridades estabelecidas. Ou no inferno dos lagers e gulags de todas as origens e formatos ideológicos, sendo ali levados por seu comportamento fora dos padrões considerados “normais” ou por posições tomadas em defesa dos mais fracos e vulneráveis e contrapoderes opressores. Poderão ser encontrados igualmente em meio a comunidades e pessoas de outras religiões, comungando em tudo de sua vida, embora professando interiormente uma fé diferente. Ou ainda em meio ao cosmos e à natureza, reinventando uma nova forma de relação entre e com todos os outros seres vivos, vivendo sua condição de criatura de uma nova maneira.
O que nos diz que esses homens e mulheres são “místicos” e não apenas ativistas políticos, pessoas éticas e honestas que se comprometem com as mais importantes lutas da humanidade como tantos outros que não identificam a transcendência em suas experiencias e práticas? Pode-se identificá-los por sua experiência radical do Sentido Último da vida e da realidade ao qual a teologia nomearia de Deus, mas que em seus lábios pode tomar outros nomes como justiça, equidade, consciência ecológica, liberdade.
Uma das características da mística na contemporaneidade, portanto, é o fato da existência de uma sensibilidade que busca a experiência direta com o mistério da Realidade última. E essa busca de experiência direta já não apresenta contornos institucionais nítidos, mas, pelo contrário, aponta para uma tendência transreligiosa, em que o contato buscado se dá com o fundo mais profundo, o segredo último da realidade, que nós chamamos Deus e que os estudiosos das religiões identificam como o denominador comum, o núcleo de todas as religiões (DUCQUOC, 2002, p. 125).
Os estudiosos da religião hoje identificam uma clara e inegável insatisfação com a religião predominante e institucionalizada. As experiências que surgem tomam sempre mais a forma de uma busca mais pessoal e experiencial do divino (HEISSIG, 2005, p. 246). O risco dessa escolha é a superficialidade que pode ocorrer ao pretender fazer voo livre, independentemente de qualquer instância ou instituição. Desligada de qualquer espessura ou opacidade, a busca espiritual pode perder-se ou dissolver-se em uma pluralidade mal compreendida, onde não há enraizamento ou identificação com o que quer que seja.
Por outro lado, há que reconhecer o aspecto extremamente positivo que aí reside: a comprovação da liberdade de Deus, que não se deixa aprisionar por nenhuma instituição, código ou sistema, ainda que religiosos. A experiência mística em nossa época não esperou a reforma das Igrejas ou instituições religiosas para efetuar sua própria busca. Tampouco a bênção da academia. Os místicos contemporâneos entrecruzam vocabulários, conceitos e símbolos de todas as procedências e cidadanias – inclusive religiosas e eclesiais – a fim de dizer sua busca de Deus sem pedir permissão aos representantes acadêmicos, religiosos ou eclesiásticos (MARDONES, 2005, p. 201-202).
No entanto, se acontece em forte independência das instituições eclesiais ou religiosas, também é fato que a mística na contemporaneidade se caracteriza pela vinculação indissolúvel com a ética e tudo o que dela deriva, a saber: a ação transformadora no mundo, o compromisso político, as pautas e lutas da humanidade no momento histórico que lhes é dado viver, a valorização da experiência e da emoção e não apenas da razão, o cuidado da criação, o elogio das diferenças como as de gênero, raça, etnia, o diálogo com outras experiências religiosas. Em suma, a mística na contemporaneidade, se parece distante de um religioso institucional e situado, mostra uma profunda aliança com o mundo, sobretudo naquilo que apresenta de conflitivo e vulnerável.
Os místicos contemporâneos buscam sim uma experiência profunda de união com o divino. Porém, esse divino não é por eles e elas encontrado “fora” das coisas deste mundo. Mística, ética e prática estabelecem claramente diversos tipos de intersecção. Pois, se o Sentido último da existência – ao qual chamamos Deus – sujeito maior da mística, se deixa encontrar em todas as coisas; se no mundo, tal como ele é, é possível experimentar sua presença inefável, então o agir humano na realidade está definitivamente “consagrado” e é parte integrante da esfera do sagrado e do divino. E isso dentro mesmo de sua condição de profano e secular, e não dela abdicando ou escapando.
2 Encontrar o mistério divino hoje: entre secularidade e pluralidade
Em meio a essa secularidade atravessada por uma sempre maior diversidade, um fio condutor assinala um consenso axial: todos os místicos, de qualquer gênero, tempo ou espaço, são pessoas apaixonadas. O divino entra em suas vidas com a força e a violência de uma tremenda paixão e toma-os por inteiro, subjugando-os com o imperativo de seu amor. Na relação com esse divino experimentam gozo e dor, ausência e presença, cada um em seu estilo próprio e original. Mas todos e todas, sem exceção, tiveram certeza de que estavam no interior da experiência do mistério mais profundo e santo, Aquele que as religiões procuraram nomear e as ideologias conceituar, mas que sempre escapa a toda tentativa humana de circunscrevê-lo e captá-lo por inteiro. E essa experiência invadiu-os e tomou-os para sempre.
. Lendo os escritos desses “amantes de Deus” (MEROZ, 1982, p. 27-49), sobretudo aqueles mais autobiográficos, que contêm o relato de suas experiências, é possível perceber neles o rosto divino que se delineia. Embora alguns deles ou delas sejam pensadores de alta relevância, ao escrever sobre suas experiências, o pensamento vai precedido pela paixão. A pergunta por Deus e a sede por sua presença surgem no mais profundo de seu interior a partir da percepção da dor pela injustiça existente no mundo e pelo desamparo no sofrimento. Trata-se da “história da paixão do mundo que no fundo é também paixão de Deus e por graça do mesmo, origina a paixão por Deus”.
Tal percepção da dor no e do mundo conduz além da discussão entre teísmo ou ateísmo. Ante o sofrimento humano, esbarra-se na universal questão da teodiceia, ou seja, na dificuldade de acreditar na existência de um Deus todo-poderoso e cheio de bondade que “a tudo rege magnificamente” e que parece não responder aos clamores dos infelizes. A indignação, a ira que clama, a voz que se levanta, dão testemunho da nostalgia do “inteiramente Outro”. É, como diz Max Horkheimer, “a nostalgia de que o assassino não deveria triunfar sobre sua vítima inocente”. Sem a paixão pela justiça no mundo e por aquele que, em última instância, é seu fiador, não pode haver um desejo por uma experiência do Sentido maior da vida e um sofrimento consciente por causa da injustiça.
A partir daí surgem as vocações proféticas e místicas que acolhem e tomam sobre si o sofrimento das vítimas assumindo sua defesa. Neste ponto, transforma-se, igualmente, o pensar humano sobre o mundo. Este mundo, tal como é em realidade, não pode mais ser definido como um espelho da divindade. O espelho está quebrado. E defini-lo em termos de perfeição e harmonia implica idolatria. Isto significa na prática: se o ser humano se desabitua às perguntas absolutas sobre o sentido último e a justiça, acabará dando-se por satisfeito e habituando-se à deficiência das circunstâncias. A mística contemporânea é caracterizada por uma insatisfação e um inconformismo com as situações injustas e opressoras, justamente porque desfiguram o mundo tão amado pelo Amado que apaixona os homens e mulheres de hoje.
A mística contemporânea busca e encontra na injustiça, no sofrimento humano e nas situações insuportáveis deste mundo o marco da pergunta pelo sentido último da vida como justiça, e, no fundo de sua experiência de união inefável, se sente convocada para uma prática solidária. Neste caminho de solidariedade prática, os místicos contemporâneos se destacarão como os que escolhem não eludir o sofrimento e com ele lidar desde o exterior, mas o atravessam desde dentro, não desejando estar separados da dor que atinge seus semelhantes a fim de, com eles e elas e como eles e elas, revelar o sentido da vida humana a partir do padecido em suas próprias existências e entranhas.
A mesma mística contemporânea igualmente rompe fronteiras por muito tempo estabelecidas, inclusive eclesiais e religiosas. Os místicos contemporâneos então serão encontrados em profundo diálogo com outras denominações e confissões religiosas, inclusive participando de seus rituais e mesmo de seus processos de iniciação, a fim de conhecê-las por dentro. São conhecidos os casos de Henri Le Saux (LE SAUX, 1986), de Christian de Chergé (BINGEMER, 2018) e outros. Assim também crescem as experiências de dupla pertença religiosa no mundo inteiro, inclusive na América Latina, onde religiosos católicos são ao mesmo tempo filhos de santo no Candomblé e onde, no dizer de Gilbraz Aragão, a dança dos orixás e o canto dos santos muitas vezes se encontram e realizam uma nova síntese (ARAGÃO, 1997).
3 Mística: experiência, prática e linguagem do amor
Isso nos faz chegar à definição da mística contemporânea como experiência do amor – e da comunhão por ele gerada – como única realidade digna de fé (COMTE SPONVILLE, 2016). O amor deixa os amantes expostos ante uma ausência de seguranças absolutas, caminhando entre o ser e o não ser, entre palavra e silêncio, entre presença e ausência. Na experiência do amor, os amantes recebem um novo ser que lhes é dado pelo tu amado. Ou seja, a força do amor está limitada ao acontecimento do amor em si mesmo. Daí derivam sua suprema força e sua debilidade e amorosa impotência. O amor não pode se impor a não ser com e como amor. Diante do mal em ação e da injustiça que mutila e agride, não pode revidar. Só pode sofrer e compadecer-se. Diante da diferença da fé e da religião do outro, não pode fazer outra coisa a não ser entrar em comunhão e compartilhar interiormente dando testemunho visível e palpável de tal experiência. Por aí passam alguns dos principais caminhos de encontro com Deus na contemporaneidade.
Os místicos e espirituais experimentam, então, que o amor é vulnerável e passível de ser afetado pelo Amor que convida à comunhão, que faz o místico ou a mística abrir-se ao que não é ele e se deixar ferir pela solidariedade suprema e radical com a alteridade humana, sobretudo quando a mesma sofre situações de intolerância, opressão e perseguição. Assim fazendo, a mística contemporânea responde à pergunta posta pelo pensamento judaico no pós-holocausto; à pergunta das vítimas de todas as guerras “unilaterais” e sem sentido; de todas as intolerâncias religiosas; à pergunta cristã latino-americana que brota e se faz ouvir a partir dos pobres da terra e das vítimas da opressão: “Como falar de Deus a partir do sofrimento do inocente?” (GUTIERREZ, 1987).
Os místicos contemporâneos, que viveram e vivem a experiência teopática, da passividade configurada pelo amor divino e pela união com o mistério, são mediadores adequados para dizer no mundo de hoje quem é Deus e anunciá-lo em meio a um mundo secular e plural que deseja e busca a Transcendência, o Espírito, mas parece haver perdido o rumo da linguagem sobre seu mistério. Seu testemunho é uma forma de mediação pela qual o divino hoje tenta dizer-se e expressar-se (PIERRON, 2006, p. 30).
O século XX, chamado século sem Deus, não está vazio da presença divina e continua seduzindo e apaixonando homens e mulheres que buscam sua experiência e ao fazê-la, dela dão testemunho na praça pública. Mas, talvez, esta presença se faça visível de outra maneira.
A mística contemporânea, com suas características de não institucionalidade, de transdenominacionalidade, de trânsito inter-religioso, traz profundas interpelações à teologia. Vemo-nos diante da relação entre a teologia e a espiritualidade considerada em sua bidirecionalidade, isto é: da relação que a teologia mantém com a espiritualidade e da relação que esta mantém com aquela. Esta relação mútua constitui um ponto crítico, pois na verdade a relação entre a teologia e a espiritualidade sempre foi crucial.
A retrospectiva histórica da relação entre teologia e espiritualidade apontaria o quanto e o tanto das variadas formas que esta relação assumiu em diferentes épocas, tradições e escolas. Do relato dessa relação aparecem, ao longo da história da teologia cristã, dois polos extremos. De um lado, aparece a hipótese de que o discurso teológico açambarca de tal maneira o discurso espiritual que, ou bem o suprime, assumindo-o em sua própria discursividade, ou bem o comprime, reduzindo-o a uma das muitas possíveis teologias existentes no genitivo, às vezes adjetivas e pouco substanciais.
Na verdade, a teologia cristã nasceu como hermenêutica da Santidade. Da Santidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo manifestada na humanidade chamada a participar dessa santidade, portanto como experiência da Santidade de Deus que santifica o ser humano e o faz ingressar e progredir em um conhecimento amoroso sempre maior do mistério divino. Os raciocínios aparentemente abstratos das especulações trinitárias jamais visaram outra coisa senão afirmar contundentemente a realidade da salvação e da santificação humanas, realizada pela autocomunicação de Deus. A teologia nasceu então de uma experiência iniciática e mistagógica e a serviço dessa experiência, crendo e afirmando que a experiência precede a razão e a experiência de Deus, portanto, precede qualquer tentativa de pensamento ou discurso organizado sobre o mesmo Deus.
Aqui procuramos demonstrar como a mística contemporânea é aberta e plural e como pode acontecer em meio a elementos e coisas que tradicionalmente foram classificados como alheios à sua identidade. Se voltamos nosso olhar mais especificamente para a mística cristã, de tão rica tradição e história, veremos que na verdade a mística contemporânea redescobre dentro de si mesma elementos que são parte constitutiva de sua identidade desde as origens.
A mística cristã é uma experiência do Espírito Santo que ensina e profere apenas duas palavras: Abba, Pai, e Senhor Jesus. O místico e a mística cristãos são, portanto, guiados e conduzidos pelo Espírito Santo para experimentar e seguir a carne do Filho e seu percurso terrestre e histórico para finalmente receber a revelação de sua Ressurreição dentre os mortos que é a realização maior da vida plena e eterna. Por ter em seu centro o mistério da encarnação, a mística cristã nunca pôde nem deveu afastar-se do mundo e dos seres humanos que o povoam. E a experiência mística dentro do cristianismo é, pois, inseparável desse mundo e da carne que o habita. Em suma, da vida que pulsa sob suas mais diversas formas.
O que caracteriza a mística cristã, portanto, não é nem jamais foi a sublimidade imaterial, porque o Espírito não se opõe ao mundo, mas o vivifica. O Espírito não foge do mundo, mas desce por sobre as realidades a fim de impregná-las de sua Santidade. O Espírito, portanto, não se refugia no intimismo, mas abre o interior daquele que faz a experiência de Deus, – de quem Ele sonda as profundezas (1 Cor 2,10) – para expandir-se e dilatar-se. Aquele que, segundo Agostinho, tem como nome próprio a palavra Dom, manifesta o seu poder na capacidade que dá aos crentes de seguir Jesus, saindo de si mesmos para a doação ao outro (VAZQUEZ, 2016).
É nesse sentido que a experiência mística tem a forma da experiência ética. A sua intencionalidade e o seu fundo mais profundo visam ao amor, à bondade e à justiça, e não, em primeiro lugar, à beleza ou à verdade. Não porque estas sejam secundárias, mas porque no ser humano devem ser segundas em relação ao amor que é, inseparavelmente, amor a Deus e amor ao próximo.
A vida no Espírito, portanto, é e sempre foi vivência de amor e expressão do amor, compromisso com as obras do amor, portanto, é ao mesmo tempo, experiência espiritual e ética. A mística contemporânea, com sua abertura à secularidade e à pluralidade e à diversidade, traz essa primordialidade do amor entendido como compromisso histórico e transformador e solidariedade universal para o centro do viver e do pensar. Pode parecer incrível – e de certa maneira o é – que em uma cultura que parece desejar exilar o transcendente para fora do cotidiano ou reduzi-lo a um objeto de consumo, seja justamente a mística que possa contribuir para resgatar a espessura da vida humana e das experiências humanas mais profundas em toda a sua força. Trata-se de um desmentido radical e definitivo às acusações que punham sob suspeita a mística como alienação ou fuga da realidade. A mística contemporânea resgata para sempre essa aliança da mística com a realidade e a responsabilidade humana para com ela.
4 Mística contemporânea: caminho contracultural
O crescimento em importância da mística em todas as suas formas e filiações, mesmo em suas formas seculares e por assim dizer desinstitucionalizadas, mesmo em suas formas sincréticas ou plurirreligiosas ou multifacetadas, constitui algo de extrema importância em nossa conturbada contemporaneidade. O caminho da mística hoje – incluída aí a mística cristã – é um caminho contracultural, em que a humanização do ser humano e a experiência que lhe dá sentido à vida se dão, por assim dizer, na contramão da sociedade onde vive e do que nela é veiculado como proposta passível de conduzir à felicidade. A mística contemporânea, nesse sentido, é uma instância crítica da sociedade contemporânea.
Em uma cultura de prazer e sensações sedutoras e seduzidas, a experiência mística leva a sair de si e deixar-se afetar pelo outro, sua diferença, sua alteridade, sua necessidade. Este caminho ao encontro da alteridade do rosto do outro implica um profundo e radical desprendimento e uma rigorosa ascese, implicando acolher a dor alheia e fazê-la sua, ser um espaço onde a dor possa abrigar-se, um bálsamo para as feridas daqueles que sofrem. Assim expressou seu mais profundo desejo a jovem Etty Hillesum, mística judia que viveu os horrores do holocausto, sendo assassinada nas câmaras de gás de Auschwitz: “desejaria ser um bálsamo para todas as feridas” (HILLESUM, 2008).
Seduzido por Deus, o místico não se refugia em catarses exteriorizantes e na maior parte das vezes, estéreis, mas entra sem defesas e sem volta em uma aventura em que esta sedução o levará até à perda de si mesmo na comunhão radical com a dor do outro, acolhida e padecida em carne própria. Aqui se poderia citar outros místicos contemporâneos além de Etty Hillesum. Por exemplo, a judia que se tornou carmelita Edith Stein, o arcebispo salvadorenho Oscar Romero, o monge trapista Christian de Chergé, a filósofa francesa de origem judaica Simone Weil, o padre jesuíta operário Egide van Broeckhoeven, o bispo catalão radicado no Araguaia, Pedro Casaldáliga e inúmeros outros e outras.
Em uma cultura consumista, a propaganda assegura que o máximo de felicidade consiste em ter, sempre, cada vez mais, descartando e substituindo o mais rapidamente possível tudo aquilo que se possui – de objetos a pessoas – aumentando a volatilidade e a velocidade da frenética deglutição dos bens e valores. Frente a isto, a experiência mística propõe a experiência do dom, da entrega, do cuidado pelo outro, sobretudo por aquele e aquela que estão mais desprovidos de qualquer amparo e se encontram infelizes e abandonados. E tudo isso em meio à mais absoluta gratuidade.
Em uma cultura que proclama a liberdade entendida como autonomia que a ninguém presta contas e se rege segundo seus desejos mais imediatos, cultivando a soberba de tudo poder, mesmo à custa daquilo que é dos outros, de direito e de fato, a experiência mística é por excelência receptiva e passiva, e, sobretudo, consciente de sua impotência. Experiência teopática, que acolhe e recebe o que é dado, padecendo em si a presença e a ação de Deus sem nada poder fazer para produzi-la, a mística faz o elogio da humildade e da passividade, da ação não agente que, no dizer da mística Simone Weil, é a atitude primordial de todo ser humano.
Em uma cultura em que o poder é glorificado, a experiência mística ensina que o ser humano é paciente mesmo quando agente (RAHNER, 1989, p. 37-59), porque é incapaz de dar-se o ser que faz existir e configura a identidade humana.
Em uma cultura onde a aspiração máxima é devorar avidamente tudo o que se apresenta, consumindo sem digerir, passando em seguida ao consumo de outra coisa ou de outra pessoa, a experiência mística ensina que a realização humana reside no desejo de dar-se, despossuir-se e entregar-se para ser consumido, para servir em tudo às necessidades dos outros, para distribuir-se eucaristicamente em alimento para todos (Cf. CAVANAUGH, 2008).
Em uma cultura injusta, quando os recursos são distribuídos segundo a manipulação egoísta e totalitária de alguns em detrimento de outros; onde o bem-estar de alguns é conseguido à custa da perda e do empobrecimento progressivo e sistemático de muitos, a experiência mística ensina a praticar a justiça e viver segundo seus parâmetros. Não, porém, de uma justiça retributiva, que dá a cada um o que merece, mas, à imitação do próprio Deus, de uma justiça restaurativa, que dá ao outro aquilo de que ele precisa e necessita para viver. E para que essa justiça se faça, o místico paga o preço com sua própria pessoa, expondo-se e arriscando-se para que outros possam ter mais vida e vida em abundância.
Em uma cultura na qual o planeta é agredido e sugados seus recursos; quando o corpo vivo da mãe e irmã terra se esteriliza e a ordem do universo se desordena pela inescrupulosa exploração da criação em nome da ganância e da exploração, a mística aponta para uma experiência de comunhão com essa mesma terra, tratando-a com o carinho de um esposo devotado, como Thomas Merton ou celebrando nela uma grande eucaristia como Teilhard de Chardin.
Em uma cultura onde reina a injustiça, a experiência mística ensina a não querer estar do lado dos vencedores, mas dos vencidos; a não desejar desfrutar das benesses do progresso enquanto há tantos que não têm acesso a elas. Leva a solidarizar-se com as vítimas da injustiça partilhando sua condição e sofrendo a mesma injustiça em sua própria pessoa.
Em uma cultura onde a violência impera e faz vítimas fatais todo dia e a toda hora, a experiência mística contemporânea ensina que o único lugar para estar é junto às vítimas, pois qualquer outra opção seria reforçar a posição dos algozes e carrascos. Antes, aquele ou aquela que experimentou a presença potente e amorosa de Deus como mistério santo, atravessa a violência e assume sobre si mesmo as consequências desta mesma violência, procurando construir uma paz que não é simplesmente ausência de guerras, mas amor ativo e redentor que a tudo restaura e renova a face da terra.
Conclusão
O que aqui foi dito da mística contemporânea se aplica diretamente ao cristianismo, mas não só. Como foi afirmado desde o início, a experiência mística na contemporaneidade não se dá apenas dentro das instituições e das igrejas, mesmo das instituições religiosas. Ela acontece em todo lugar onde homens e mulheres saem de si e ultrapassam os próprios limites para praticar o amor e transformar o mundo guiados por uma experiência de transcendência. Alguns e algumas vivem esse êxodo em seu cotidiano simples e sem muita visibilidade. Outros acedem à praça pública, expondo-se e arriscando a própria segurança e a própria vida.
Dentro ou fora da Igreja e das instituições religiosas, nelas comprometidos radicalmente ou às margens de suas fronteiras, os místicos nos ensinam que experimentar o mistério de Deus no meio do mundo conduz a uma paixão ardente por este mesmo mundo e a trabalhar sem cessar por sua redenção e transformação. Seja qual for seu estado de vida, sua condição social, suas capacidades intelectuais, os místicos e as místicas contemporâneos recolhem-se à câmara nupcial onde a experiência do amor acontece com plenitude e delícia para mergulhar de cheio na realidade desfigurada do mundo em que vivem, buscando configurá-la segundo o mistério do amor que experimentam como dom e graça.
Maria Clara Bingemer. PUC Rio. Texto enviado no dia 03/03/2023; aprovado no dia 10/10/2023; postado dia 31/12/2023.
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