Consciência

Sumário

1 “Consciência de si” e “consciência”

1.1 Perspectiva psicológica

1.2 Perspectiva ética

1.3 Perspectiva teológica

2 Perspectiva bíblica

2.1 Antigo Testamento

2.2 Novo Testamento

3 Perspectiva histórica

4 Desenvolvimento e maturidade da consciência

5 Consciência em uma chave personalista, comunitária e profética

5.1 Consciência moral autônoma e autotranscendente

5.2 Consciência moral comunitária e eclesial

5.3 Consciência moral profética e libertadora

6 Encontro de moralidade e espiritualidade na consciência

7 Referências bibliográficas

Na experiência da consciência, a pessoa livre percebe sua capacidade de discernir entre o bem e o mal para decidir de forma responsável. Na consciência cristã se juntam a experiência moral humana da responsabilidade e a experiência espiritual cristã de viver a fé e caminhar no Espírito.

1 “Consciência de si” e “consciência”

“Consciência de si” (em inglês consciousness, em alemão Bewusstsein) e “consciência” (inglês, Conscience, alemão, Gewissen) referem-se à etimologia latina da conscientia: cum scientia, simul scire e à grega de syn-eidesis : “conhecer-com” ou conhecimento autorreflexo, concomitante ao conhecimento de algo ou de alguém. A “consciência de si” é dita em um sentido fisiológico e psicológico de estar em um estado consciente, desperto e capaz de reconhecer-se em suas ações e no meio ambiente. “Consciência” se diz, em sentido moral ou religioso, da apreensão responsável do valor moral e espiritual. Desde os tempos antigos, em culturas distantes uma da outra no espaço e no tempo, há expressões da vida diária sobre a satisfação pelo bem e remorso pelo mal, como mostram, por exemplo, essas inscrições: “O coração é testemunha; você não deve agir contra ele” (cultura egípcia); “Um Deus invisível habita dentro de nós” (cultura hindu); “O melhor de cada humano, seu coração bom e firme, para ter Deus em seu coração” (cultura náuatle).

1.1 Perspectiva psicológica

Na consciência psicológica, a pessoa, que não é uma coisa a mais entre as coisas, percebe seus próprios estados anímicos e retorna reflexivamente sobre si mesma, reconhecendo-se conscientemente como sujeito de sua vida psíquica no mundo, no tempo e em relação a outras pessoas.

1.2 Perspectiva ética

A consciência moral percebe o chamado para realizar os valores morais e cumprir as normas; julga, exercendo com prudência a razão prática, sobre o que deve ou não ser feito para realizar esses valores e aplicar as normas nas circunstâncias concretas da vida diária. Sócrates se refere à voz do daimon que o aconselha. Sêneca a chama de “observador vigilante do bem e do mal no nosso interior”. Confúcio disse que sempre viveu “ouvindo a voz do céu”. Para Kant é o “tribunal da justiça no interior do homem”. Considerada a partir do objeto do juízo, a consciência é verdadeira ou errônea. Considerada a partir do sujeito, é sincera ou insincera. Somos chamados a seguir o chamado da consciência e, ao mesmo tempo, reconhecer a possibilidade do erro e a necessidade de formar ou corrigir a consciência. A consciência antecedente convida a fazer o bem e a evitar o mal. A consciência consequente confirma a satisfação pelo bem feito e reprova o mal cometido.

1.3 Perspectiva teológica

A consciência moral crente é identificada com a fé que internaliza o chamado divino e expressa a resposta responsável para viver praticando o amor da caridade (ágape) com a ajuda da graça. A consciência é voz, luz e força para responder à realidade a partir da fé; capacita, guia e apoia o julgamento prudencial e a decisão responsável (CURRAN, 2004, p.7). É voz que chama a deixar-se conduzir pelo Espírito. É luz que acompanha os processos de discernimento e deliberação sobre valores, normas e circunstâncias. É força para decidir e curar, ou reconciliar depois de reconhecer os erros na decisão.

2 Perspectiva bíblica

2.1 Antigo Testamento

Na Bíblia hebraica, “coração e entranhas” são metáforas da consciência. Na profundidade da interioridade, a fé reconhece se “o coração não a reprova” (Jó 27,6). Davi “sentiu bater-lhe o coração” de remorso por um comportamento injusto (1Sm 24,6; 2Sm 24,10). O salmista arrependido clama: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto (…) um coração arrependido e humilhado, não o desprezas, ó Deus” (Sl 51,12-18). Aí Deus promete gravar sua palavra: “Porei a minha lei no seu interior, e a escreverei no seu coração” (Jr 31,33, cf. Dt 4,39). Jeremias anuncia que “o pecado está gravado na tábua do coração” (Jr 17,1). Jó se defende: “meu coração não me reprova nenhum de meus dias” (Jó 27,6). A promessa do Espírito é: “Eu lhes darei um coração novo e lhes infundirei um espírito novo. Arrancarei o coração de pedra e lhes darei um coração de carne” (Ez 11,19; 18,31; 36,26). O Criador, que “vê o coração” (1Sm 16,7), é o “Deus justo que sonda o coração e as entranhas” (Sl 7,10; Sl 139,1-7; cf. Sl 26,2; Jr 11,20; 17,10; 20,12).

2.2 Novo Testamento

Jesus prega a disposição interior do bom coração, em vez da exterioridade da consciência moral farisaica (Mt 15,7-20, Lc 11,37-42). “O que sai de dentro do coração humano é o que mancha” (Mc 7,21-23). “O homem bom tira coisas boas do bom tesouro que está em seu coração” (Lc 6,45). Chegou o tempo a viver com um coração novo: Deus o transformará, derramando sem limites seu Espírito (Lc 4,14-21; Jo 7,39, cf. Jl, 3,1-2). Paulo integrou a tradição helênica sobre a consciência (syneidesis) com a presença interior e ativa do Espírito. “Aqueles que se deixam guiar pela sabedoria do Espírito tendem ao que é próprio do Espírito” (Rm 8,5), que ilumina o discernimento (Rm 14,16-23; 1Tm 1,5; 1Cor 2,6-16).

A autonomia da consciência moral do homem consiste em ser uma lei (nomos) para si mesmo (autos): uma lei não escrita, gravada nos corações (Rm 2,14-15), que se explicita na consciência moral cristã como autonomia teonômica, que coincide com o sentido de viver e caminhar no Espírito. Paulo levanta as questões morais para uma fé e consciência adultas, em contraste com o modo de agir da criança por medo de castigo ou esperança de recompensa (Rm 14,1-4), e enfatiza a coerência da ação com a própria convicção, acentuando o aspecto comunitário e a repercussão de nossa maneira de agir em outros membros da comunidade (Rm 14,12). Nesse texto, a palavra-chave é “convicção interna de fé” (pistis).

Paulo integrou a noção popular e filosófica de consciência (syneidesis) na era helênica com a da fé cristã, centrada na atividade do Espírito que ilumina o discernimento e fortalece a decisão. Mas o direito e o dever de agir em consciência se conjugam com o respeito pela consciência dos outros (1Cor 8,1-13 e 10,23-33).

A consciência é a voz, guia e força do Espírito: uma voz que não vem de fora, mas é ouvida na interioridade; guia para discernir com prudência. “Bem-aventurado aquele que examina as coisas e faz um juízo (…) o que não vem da convicção é pecado” (Rm 14,23); força para decidir de forma responsável, denunciar profeticamente e testemunhar bravamente (Mt 10,19-20).

3 Perspectiva histórica

A tradição patrística pregava a resposta fiel ao chamado de uma consciência que era, ao mesmo tempo, humana ou natural e cristã ou espiritual; mas os latinos acentuaram mais as imagens da consciência como tribunal, juiz ou testemunho interior, enquanto os gregos preferiam a comparação com o pedagogo, guia e acompanhante.

A tradição monástica e mística cultivou o discernimento segundo a consciência que se deixa guiar pelo Espírito; mas, nas controvérsias medievais sobre fé e razão, discorre, por razões diferentes, sobre a moral vivida a partir da fé pelo caminho ascético-místico e a moral pensada nas disputas escolásticas. O exemplo disso é a controvérsia sobre os aspectos subjetivo e objetivo da consciência (Bernardo vs. Abelardo), que desembocou na síntese tomista de uma consciência iluminada pela lei nova e interior do Espírito, para viver a primeira virtude teologal da caridade, através do discernimento prático de acordo com a primeira virtude cardinal da prudência.

A tradição escolástica distinguiu a consciência como capacidade de discernir o bem e o mal (synderesis) e como aplicação concreta (syneidesis, conscientia). Tomás de Aquino (In 2 Sent., disp. 24, q.2, a.4) expôs isso em forma silogística: a premissa maior, fruto da synderesis; a menor, da ratio, que determina o motivo de tal ação ser má; a conclusão, fruto do julgamento da conscientia.

Na época dos manuais de teologia moral, a partir do séc. XVII, tendeu-se a reduzir o papel da consciência para aplicar princípios de forma dedutiva, com clareza e certeza para impor normas e censurar falhas.

Nas controvérsias sobre sistemas morais laxistas, rigoristas ou equilibrados (probabilismo, probabiliorismo, equiprobabilismo) para superar dúvidas no julgamento e na decisão moral, a consciência parecia ser reduzida a um instrumento para captar a lei moral e aplicá-la. Este enfoque começou no século XIV (Ockham), pela mentalidade voluntarista, legalista e extrinsecista, que via a consciência como um simples árbitro do encontro entre lei objetiva e decisão subjetiva.

Os debates do séc. XX, sobre a ética da situação, provocaram a reação autoritária do magistério eclesiástico, mas redescobriram o discernimento espiritual, esquecido após o divórcio entre teologia moral e teologia mística.

O Concílio Vaticano II reafirmou a tradição do discernimento e assumiu a autonomia de uma consciência madura, que não deve ser confundida com um superego ou um impulso inconsciente freudiano (Gaudium et spes n.16-17, Dignitatis humanae, n.3 e 14).

O desenvolvimento renovador da moral teológica pós-conciliar avançou paralelamente à crise de consciência suscitada pela rejeição de métodos anticoncepcionais considerados “não naturais” na encíclica Humanae vitae. Muitos dos bispos e teólogos questionaram a ênfase excessiva no relacionamento entre o magistério eclesiástico e a consciência obediente (HÄRING, 1981; MCCORMICK, 1989, p.38-41). Mas essa crise favoreceu a reflexão sobre a função da consciência capaz de dissentir de forma responsável: não dissentir “da” igreja, mas dissentir “na” igreja, sentindo-se igreja, para colaborar dessa maneira com a evolução da compreensão da fé e de sua prática. Por outro lado, desenvolveu-se, nas décadas seguintes, uma reação oposta, de tendência restauracionista, para retornar ao modo de entender a consciência na teologia pós-tridentina, como foi exposto pelo esquema De ordine morali, escrito pela comissão preparatória, mas rejeitado pelo Concílio.

A encíclica de João Paulo II, Veritatis Splendor (VS, 1993), estava preocupada em evitar a crescente oposição entre as abordagens renovadoras, que buscavam recuperar a melhor tradição da consciência (cf. VS n.38, 41, 42) e as tendências antirrenovadoras, que enfatizavam o autoritarismo do magistério eclesiástico (ver VS n.53, 59, 82). Mas, afetada pelo medo do relativismo e do subjetivismo dessas duas décadas, essa encíclica colocou, de fato, um freio à renovação pós-conciliar, criticando as correntes teológicas dessa linha (VS n.4, 5, 67, 90, 115). As exortações pós-sinodais do Papa Francisco (Evangelii gaudiumEG e Amoris laetitiaAL) recuperaram a mudança de paradigma pós-conciliar reafirmando uma moral de discernimento (AL n.300-312), que fala mais de graça do que de lei (EG n.38), focada na caridade e na misericórdia (EG n.37), respeitando a gradualidade e as limitações no crescimento e maturação da consciência (EG n.44-45), acompanhando o discernimento e ajudando a formar as consciências, mas sem pretender substituí-las (AL n.37) nem proibi-las de pensar, decidir e amar por e a partir de si mesmas.

4 Desenvolvimento e maturidade da consciência

A psicologia evolutiva e a psicopedagogia (Piaget, Kohlberg) exploraram o desenvolvimento da consciência moral no indivíduo. A antropologia cultural, a sociologia e a psicanálise (Durkheim, Freud) estudaram a evolução do sentido moral na diversidade de épocas e culturas. Essas abordagens sugeriram estágios de crescimento, tanto na consciência individual como na história da espécie: prenomia, tabus, condicionamentos heteronômicos, subjetividade autonômica, reciprocidade e objetividade universalizadoras. Mas, tanto biográfica quanto historicamente, a complexidade dos avanços e retrocessos impede a organização desses estágios de crescimento de acordo com uma sequência ideal homogênea. Em vez disso, eles expressam a aspiração à maturidade de uma consciência moral vista a partir do auge de reflexões atuais. A psicoterapia aplicada à espiritualidade apresentou o desenvolvimento para a maturação em “cinco níveis de consciência”; 1) sensorial (um ego indiferenciado e dependente); 2) individual (um ego autocentrado independente); 3) pessoal (um sujeito interdependente, um “nós”); 4) cósmica (interdependente com solidariedade universal); e 5) eterna (em comunhão com o absoluto) (SÁNCHEZ-RIVERA, 1981).

Essas propostas diversas sobre a gênese e o desenvolvimento da consciência convergem em uma noção dinâmica e holística de consciência moral, que concebe a tarefa e o método de educá-la. Em vez de reduzir a consciência moral a reconhecer mandatos ou proibições e recompensar o cumprimento ou reprovar a infração, ela se revela como a semente da capacidade de captar valores morais pessoais e transcendentes. Se a voz da consciência diz: torne-se o que você é e está chamado a ser, a educação moral terá de facilitar o dinamismo do crescimento humano para compreender e responder aos valores pessoais, espirituais e totais como, por exemplo, amar e se deixar amar, perdoar e se deixar perdoar, agradecer e se deixar agradecer.

5 A consciência em uma chave pessoal, comunitária e profética

A teologia moral pós-tridentina, até meados do séc. XX, além de continuar distanciando-se da teologia espiritual, também permaneceu isolada das correntes filosóficas da consciência na modernidade e na pós-modernidade, não dialogando com o pensamento moderno sobre a autoconsciência (Descartes), nem com a autonomia, a categorização e a universalidade da moral crítica (Kant); nem com as suspeitas pós-modernas contra a consciência (Nietsche e Freud); nem com a abordagem sobre a voz da consciência na fenomenologia existencial e hermenêutica (Sartre, Heidegger). Esses esquecimentos e distanciamentos foram recuperados nas reflexões sobre a consciência feitas por aqueles que têm relido a tradição bíblica, espiritual e o melhor de Santo Tomás e Kant, articulando-a com as contribuições da fenomenologia existencial (Rahner, Fuchs, Lonergan), a antropologia hermenêutica (Ricoeur) e as teorias críticas da sociedade (Metz, Gutiérrez, Boff), dando origem à abordagem personalista, comunitária e libertadora para a qual se encaminha o atual modo de entender a consciência. Esta concepção de consciência amadureceu ao longo das controvérsias pós-conciliares: moral da fé vs. autonomia (GAZIAUX, 1995), o magistério eclesiástico vs. assentimento e dissenso individual (MIETH, 1994) e sobre as teorias da libertação (VIDAL, 2000).

5.1 Consciência moral autônoma e autotranscendente

A consciência é expressão do melhor de si mesmo no núcleo íntimo da pessoa, chave de sua dignidade. Para a teologia, a consciência somos nós mesmos, ultimamente vinculados a Deus pela fé em atitude de escuta. Para a antropologia moral, a consciência é a voz da autenticidade que nos chama a sermos nós mesmos. A voz que escutamos como chamado à autenticidade de nossa autonomia é, em última análise, voz de Deus (teonomia), mas de um Deus que, por seu Espírito, está em nossa intimidade, não para se impor de maneira heterônoma, mas para fazer com que sejamos autônomos (autonomia teonômica) (CAFFARENA, 1983, p.244). Se a consciência moral capta o bem e o mal nos atos livres como imperativo de autorrealização, a questão radical de “quem eu quero ser” será mais importante do que a pergunta “o que devo fazer”; ao optar em consciência pelo bem, eu me escolho como um projeto de personalização e humanização (LÓPEZ AZPITARTE, 1994, p.52-54).

A consciência, à escuta do chamado do Espírito que a capacita para responder, é a percepção pessoal da resposta apropriada. A profundidade na resposta seria a opção fundamental, e a falha na resposta seria o pecado. A consciência é o centro da nossa interioridade, o pano de fundo dos julgamentos e decisões que exercitam a prudência. É assim que o senso de consciência esteve intimamente relacionado com o fato de perceber explicitamente suas próprias atitudes básicas e opções fundamentais, chave para a coerência e continuidade da vida moral do sujeito. “O sujeito autenticamente pessoal, convertido intelectual, moral, emocional e religiosamente, atua no mais alto nível de consciência existencial, moral e responsável” (LONERGAN, 1973, p.5).

5.2 Consciência moral comunitária e eclesial  

Outro significado do prefixo con de “cons-ciência”, sugere o aspecto social do discernimento moral. Embora o último passo de um processo de discernimento seja um juízo e decisão, cuja responsabilidade é pessoal e intransferível, a contribuição comunitária é inevitável ao longo do caminho para a tomada de decisões, assim como na formação da consciência. As faces do poliedro da consciência que discerne são: a) atitudes básicas, b) dados sobre as circunstâncias, c) interpretação-reflexão, d) contraste-conselho, e e) decisão pessoal, prudente e responsável (MASIÁ, 2015).

Nos passos prévios à decisão, o ponto de vista comunitário desempenha um papel importante.

a) A comunidade eclesial ajuda a configurar atitudes básicas da fé, influenciando a maneira de perceber a realidade, gerando hábitos de pensar, valorizar e agir, influenciando, assim, nos juízos morais e nas decisões. Aquele que crê foi educado em uma tradição na qual recebeu algumas orientações e critérios. As normas transmitidas tradicionalmente são referência importante; mas não excluem a necessidade de pensar e decidir por si mesmo. A comunidade ajuda a formar a consciência e a acompanha no discernimento, mas não a substitui.

b) A consciência não funciona bem sem bons dados de experiência de vida e das ciências. Ao manter os mesmos valores e princípios, diferentes conclusões podem ser deduzidas de acordo com a mudança nos dados. Somente com dados não podemos discernir, mas sem eles não podemos fazer um bom discernimento. A comunidade de informação e comunicação, tanto dentro como fora da Igreja, ajuda a garantir esses dados.

c) A partir das atitudes básicas diante dos valores e com dados suficientes, um julgamento deve ser emitido em cada caso. Aqui entra em jogo o papel de um pensar honesto que pergunta, analisa os dados, interpreta e não cessa de buscar criativa e criticamente as respostas. Esse pensar não evita nem substitui a fé, nem a ciência ou a experiência.

d) Não estamos sozinhos diante da urgência da decisão. Precisamos da ajuda de outras pessoas para contrastar as interpretações. Diversas comunidades de pessoas podem ajudar: por exemplo, a comunidade de pesquisadores científicos; a comunidade do diálogo de pensamento; a comunidade de relações humanas dentro de uma sociedade plural; as comunidades que compartilham convicções religiosas etc. No âmbito destas ajudas, se enquadra o papel orientador destas últimas – que nunca deve ser dominante ou autoritário – a partir das respectivas tradições comunitárias, culturais ou religiosas. Ajuda-nos a corrigir a passagem do tempo e a relação com as outras pessoas.

Os debates, no final do século passado, na Igreja, sobre o sentir e dissentir ajudaram a amadurecer a consciência eclesial, para além das velhas oposições entre consciência individual e  magistério eclesiástico, na compreensão do papel do acompanhamento pastoral como auxílio ao discernimento da consciência, mas sem substituí-la para decidir em seu lugar. É papel da comunidade eclesial ajudar a educar o juízo moral e a formação da consciência dos fiéis. Como portadora de uma tradição em questões morais, a Igreja acumulou, ao longo dos séculos, uma riqueza de sabedoria prática que fornece importantes orientações na hora de discernir. A consciência as respeitará de forma crítica, mas sem considerá-las como um armazém de respostas pré-fabricadas. A comunidade de fé torna-se o lugar onde seus membros podem dialogar, estudar e discernir em comum os problemas morais. O papel da igreja, mais do que o de legislar, é o de iluminar, a partir de uma dimensão elevada, com propostas de valores. Às vezes, terá que assumir uma posição oficial sobre problemas concretos, cumprindo, perante a sociedade, uma função que pode ser, de acordo com os casos, terapêutica ou profética. Quanto mais concretos forem os problemas, menos radicalmente assertivas poderão ser as tomadas de posição. Respeitar essas tomadas de posição oficiais da igreja não significa segui-las cegamente, como se elas eximissem de pensar e decidir conscientemente.

e) Uma decisão responsável (que não é o mesmo que correta ou com cem por cento de certeza) seria a que levasse devidamente em consideração as quatro etapas anteriores. Talvez, depois de algum tempo, analisemos a decisão e descubramos que estava errada; mas isso não significa que tenha sido irresponsável. Nesse sentido, foi uma decisão eticamente correta. A consciência antecedente terá que pressupor atitudes básicas de resposta aos valores, antes do mencionado processo de informar-se, pensar e debater. Durante o processo, a consciência também deve ser uma consciência acompanhada comunitária e eclesialmente. Depois de passar pelo processo, é necessário responsabilidade para adotar resoluções prudentes conscientes, que não precisam depender cem por cento de certezas, nem podem ser impostas a outras pessoas. Quando queremos conjugar o respeito às pessoas com a fidelidade às normas, os conflitos são inevitáveis. Nessas ocasiões, a sabedoria prática deve intervir como mediadora. “A sabedoria prática”, diz Ricoeur, “consiste em inventar as condutas que melhor satisfaçam às exceções exigidas pela nossa solicitude para com as pessoas, traindo o menos possível as normas” (RICOEUR, 1990, p.312).

5.3 Consciência moral profética e libertadora

A teologia da libertação tem revalorizado o papel profético e libertador da consciência, ao mesmo tempo em que promove o chamado à a comunidade crente para converter-se em voz dos sem voz e consciência social que denuncie a manipulação ideológica das consciências, a opressão e exclusão das pessoas, além fomentar a conscientização sobre tal situação. O clamor do povo injustiçado (Ex 3,7), as denúncias de injustiça pelos profetas (Am 5,18-24) e a mensagem evangélica de proximidade e misericórdia (Lc 10 e Mt 25) se atualizam no contexto de teologias libertadoras como responsabilidade da consciência profética, para reconhecer as injustiças sistêmicas e males estruturais que exigem ser denunciados pela comunidade solidária com as vítimas. Esta consciência profética chama não só aliviar a dor e a pobreza, mas a quebrar as suas causas sociais, estruturais, políticas e econômicas. Essa consciência atualiza, a partir da fé, o amor ao próximo na luta contra toda violência, racismo, exclusão, discriminação etc. Não o faz pedindo paternalmente que se inclua o pobre no sistema, mas exigindo a mudança do sistema que exclui o pobre. Esta consciência ouve Deus escutando o clamor do pobre, o que a levará a orientar seu discernimento e motivará suas decisões.

6 Encontro de moralidade e espiritualidade na consciência

A teologia mística de Boaventura viu na consciência, capaz de captar o bem, um movimento amoroso da vontade, ao invés de um julgamento cognitivo. Mas a conjugação da deliberação ética e do discernimento espiritual enfraqueceu-se à medida que se acentuava a desconexão entre a moralidade e a espiritualidade. Do séc. XVII ao séc. XIX cresceu a distância entre moral de preceitos e espiritualidade dos conselhos evangélicos. Em meados do século XX, chegam com atraso as tentativas de recuperar o diálogo da moral teológica com a espiritualidade. A recuperação da tradição bíblica de discernimento e da tradição filosófica reflexiva ajudam a relacionar, ao mesmo tempo em que as diferenciam, as funções respectivas da experiência moral e da experiência religiosa.

A voz da consciência, que dita o que deve ser feito ou não ser feito, “sai das profundezas de mim mesmo (…) é o clamor da realidade no caminho do absoluto (ZUBIRI, 2007, p.101-104). A experiência metafísico-religiosa da religação e a experiência moral da obrigação são diversas, mas relacionadas. “Estamos obrigados a algo porque anteriormente estamos religados ao poder que nos faz ser”. (ZUBIRI, 2007, p.93). A experiência da religação é o fundamento da consciência moral da obrigação. O fenômeno da consciência não se reduz a uma obrigação moral. A consciência não se reduz a um fenômeno moral. Nela, duas experiências diferentes, a moral e a religiosa, estão intimamente relacionadas. “A voz da consciência é (…) a palpitação e a batida da divindade no seio do espírito humano” (ZUBIRI, 1997, p.66-67). A experiência filosófico-religiosa da “religação” fundamenta a experiência moral da obrigação. “Deus está manifesto nas profundezas de cada homem (…) na voz absoluta da consciência” (ZUBIRI, 1997, p.72-73). A dimensão religiosa da realidade pessoal se desvela na consciência, lugar de encontro de moralidade e espiritualidade.

Juan Masiá, SJ. Universidad Católica Santo Tomás, Osaka (Japão).

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