Teologia das religiões

Sumário

1 Diferença entre teologia e uma fenomenologia das religiões

1.1 Abordagem fenomenológica

2 Pluralismo inter-religioso como um novo lugar teológico e as três posições clássicas da teologia

2.1 A posição exclusivista-eclesiocêntrica

2.2 A posição inclusivista-cristocêntrica

2.3 A posição pluralista-teocêntrica

3 Reflexão teológica

3.1 Chaves de categorias cristãs

3.1.1 A divina tri-unidade

3.1.2 Chave crístico-kenótica

3.1.3 A chave do Reino

3.2 Chaves de categorias denominacionais cruzadas

3.2.1 Revelação e excedente apofático

3.2.2 A dimensão teológica e teologal do diálogo

3.2.3 Coinspiração das religiões para uma tripla abertura ao Real

4 Questões abertas

Referências

1 Diferença entre teologia e uma fenomenologia das religiões

A teologia das religiões pode ser entendida como genitivo objetivo ou genitivo subjetivo. Como genitivo objetivo, é uma reflexão teológica da fé cristã sobre o significado da pluralidade de religiões existentes na terra, enquanto como genitivo subjetivo indica que cada religião tem sua própria teologia. Na verdade, deve-se perguntar se pode haver uma teologia que não esteja ligada a nenhuma religião. A abordagem esperada deste artigo é implicitamente uma teologia cristã das religiões. Em outras palavras, como a partir da revelação cristã as outras religiões da humanidade são compreendidas e integradas. No entanto, no final apontamos algumas pistas para uma teologia de natureza transconfessional, que poderia ser um ponto de encontro para os diferentes credos.

1.1 Abordagem fenomenológica

Vale a pena fazer uma distinção prévia: a diferença entre a abordagem fenomenológica e a abordagem teológica. A fenomenologia das religiões aborda a experiência e manifestação do sagrado, lembrando que cada tradição é uma difração única e diversa do Mistério que adquire a forma do destinatário que o recebe. Fenomenologicamente, a manifestação do Absoluto é inseparável do receptáculo que o recolhe. O Absoluto permanece condicionado pela mediação que o manifesta. Ficamos perplexos ao ver esse elo intransponível. Isso não reduz o Mistério, mas nos faz perceber que só podemos acessá-lo de nossa perspectiva particular.

Mantendo a abordagem fenomenológica, existem três significados da palavra religião relacionados à sua etimologia: religare, relegere, religere. Religare implica “criar vínculos”, “estabelecer vínculos” com a tripla dimensão da realidade: a divina, a humana e a cósmica. A cada uma das três áreas corresponde uma característica: as crenças estão relacionadas a Deus; os códigos de comportamento estão relacionados à comunidade humana e, nos ritos, nos colocam em relação ao mundo e à natureza, enquanto nos situam nas coordenadas de tempo e espaço.

Relegere significa “reler”, “interpretar” o mistério de Deus, o sentido da vida e da morte, da existência de cada um, a razão do mal. As religiões são recortes possíveis do infinito para torná-lo inteligível e assumível à escala humana. O Mistério permanece inatingível, sempre além de qualquer interpretação que dele se faça. As religiões são dedos apontando para a lua, mas não são a lua. Indicam um rumo a seguir para um Lá – escondido em cada Aqui – que transcende qualquer palavra e qualquer veículo, porque Deus está sempre além de tudo e também sempre mais aqui em tudo.

Religere significa escolher sempre, com plena liberdade e lucidez, o caminho que a pessoa se sente chamada a percorrer. As religiões fornecem o quadro em que se exercita o ato contínuo de eleição pela Vida, estimulando atos cada vez mais lúcidos e livres.

As três possíveis etimologias têm em comum o re- que as precede. O prefixo indica que esses vínculos não são estáticos, mas estão em movimento, na medida em que são capazes de se adaptar às situações mutáveis ​​que ocorrem a cada tempo e a cada geração. Sem esse prefixo dinâmico e reduplicativo, as religiões podem se tornar prisões que, por não serem renovadas, caem na inércia ou se contraem e terminam em coerção.

As três esferas que abraçam as religiões (o divino, o humano e o cósmico) estão envolvidas em cada religião simultânea e reciprocamente, pois a forma de conceber a divindade marca a forma de compreender o humano e de se relacionar com o cosmos, bem como o modo de compreender o humano determina nossa relação com o divino e com o cósmico, e nossa maneira de ser e de nos relacionarmos com o mundo determina nossas imagens de Deus e nossas relações com os outros. Por isso, toda religação é ao mesmo tempo uma interpretação da realidade. A forma de vinculação cria um certo entendimento e desenvolve determinados valores. Os textos sagrados contêm a revelação desses códigos de comportamento, bem como narram os momentos e atos fundantes que se perpetuam através dos ritos próprios de cada religião.

Do ponto de vista fenomenológico e da história das religiões, reconhecemos três grandes tipos de constelações religiosas: as cósmicas, as teístas e as oceânicas. Poderíamos acrescentar a religião secularizada ou a espiritualidade sem religião, fenômeno cada vez mais significativo que também faz parte do diálogo inter-religioso e da reflexão teológica ainda por ser feita. As religiões aborígines ou cósmicas enfatizam a sacralidade da terra. Nelas, a experiência religiosa está diretamente relacionada aos elementos da natureza da qual o ser humano faz parte. As tradições teístas-personalistas (judaísmo, cristianismo e islamismo) emanam do relato do Gênesis, em que o ser humano é concebido como “imagem e semelhança de Deus” (Gn 1,27). Daí o caráter antropomórfico do Deus bíblico, invocado como Tu, e o caráter teomórfico do ser humano que é capaz de ser interlocutor de Deus. Enquanto as três religiões abraâmicas se desenvolvem em uma relação com o Ser Supremo que personaliza o ser humano, as religiões oceânicas – hinduísmo, budismo e taoísmo – pertencem a um paradigma muito diferente. Elas nos colocam em um terreno em que tanto o eu humano quanto o Tu divino são penultimidades a superar. Quando o eu psíquico-corporal descobre que faz parte de uma totalidade abrangente que o sustenta, deixa de ser um predador para se tornar um celebrador da existência. Não havendo um eu, tampouco há um Tu a que se referir, porque o Tu está em relação ao eu que se autopercebe separando-se.

Este é o quadro fenomenológico em que se situa a teologia cristã das religiões.

2 Pluralismo inter-religioso como um novo lugar teológico e as três posições clássicas da teologia

A reflexão sobre a pluralidade religiosa pode ser considerada como um novo lugar teológico, que foi como Melchor Cano, no séc. XVI, nomeou as áreas que poderiam ser fecundas e inspiradoras para a reflexão teológica. Como um campo específico, estamos diante de um tema que mal tem cinquenta anos de reflexão e discernimento teológico. O termo “teologia das religiões” foi cunhado pela primeira vez na década de 1960 pelo teólogo alemão Heinz Robert Schlette. Ainda não temos uma terminologia adequada, e suas percepções e proposições são insipientes. Faltam linguagem, vocabulário, assim como fórmulas maduras que tenham passado pela inevitável prova de acertos e erros na tentativa de encontrar expressões mais adequadas e precisas.

Apesar do inevitável reducionismo de qualquer classificação, convém mencionar as três posições clássicas da teologia em relação às outras religiões: o exclusivismo de caráter eclesiocêntrico, o inclusivismo de caráter cristocêntrico e o pluralismo de caráter teocêntrico. Embora esta tipologia possa servir de ponto de partida, atualmente está estagnada porque não compreende toda a complexidade que está em jogo.

2.1 A posição exclusivista-eclesiocêntrica

O exclusivismo era a posição oficial que a Igreja tinha até o Concílio Vaticano II. É identificável com a frase Extra Ecclesiam nulla salus (“Fora da Igreja não há salvação”), sentença que foi pronunciada pela primeira vez por Cipriano de Cartago no séc. III, num contexto de divisões internas das comunidades cristãs, mas que foi endurecida a partir do séc. XIV, com a bula Unam Sanctam (1302) de Bonifácio VIII, quando foi usada contra outras religiões. Esta posição considera que não há salvação sem uma confissão explícita de fé em Jesus Cristo e sem uma participação nos sacramentos, começando com o batismo. Daí o impulso missionário de tantas gerações. Contudo, mesmo nos momentos mais fechados da Igreja, o magistério oficial nunca o considerou em sentido restritivo, pois aceitou a possibilidade de um batismo de desejo, mesmo inconsciente. O exclusivismo é eclesiocêntrico na medida em que considera que a salvação só pode ser alcançada com um reconhecimento explícito da mediação eclesial, através da participação nos seus sacramentos e da adesão aos seus dogmas de fé. Embora o Concílio Vaticano II tenha abandonado esta posição, ela continua a persistir em não poucos setores. Podemos identificá-la como um universalismo centrípeto, em que a “catolicidade” do cristianismo é condicionada pelo reconhecimento de certas mediações histórico-culturais.

2.2 A posição inclusivista-cristocêntrica

Na década de 1950, do séc. XX, a teologia da revelação de Jean Daniélou, juntamente com a contribuição de outros teólogos, permitiu que os textos conciliares avançassem para o que hoje se conhece como posição inclusivista. Pela primeira vez em sua história, a Igreja reconheceu oficialmente que havia verdade em outras religiões e que, por meio delas, também se podia alcançar Deus. Na Constituição dogmática Lumen Gentium aparecem várias passagens em que se reconhece o aspecto subjetivo de quem professa outras crenças:

Tudo o que de bom e verdadeiro neles há [nos que buscam Deus com coração sincero], é considerado pela Igreja como preparação para receberem o Evangelho, dado por Aquele que ilumina todos os homens, para que possuam finalmente a vida. (LG n.16)

O documento vai além ao avaliar também os aspectos objetivos das demais tradições, ainda que não apareça a palavra religião:

[…] tudo quanto de bom encontra no coração e no espírito dos homens ou nos ritos e cultura próprios de cada povo, não só não pereça mas antes seja sanado, elevado e aperfeiçoado, para glória de Deus. (LG n.17 e Ad Gentes n.9)

A declaração Nostra Aetate vai além, ao reconhecer que “o que é verdadeiro e santo” se refere explicitamente ao que os outros caminhos religiosos oferecem e lhes pertence legitimamente:

A Igreja católica nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santo. Olha com sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em muitos pontos daqueles que ela própria segue e propõe, todavia, refletem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens. (Nostra Aetate n.2)

Com isso, a Igreja reconhecia que sendo primícia do Reino não o esgota, mas é caminho para ele. Em outro parágrafo do decreto, incentiva os cristãos de todo o mundo a se familiarizarem com as tradições culturais e religiosas dos países em que vivem, para que  “façam assomar à luz, com alegria e respeito, as sementes do Verbo neles adormecidas” (AG, 11). A expressão “sementes do Verbo” é retirada da Patrística, onde autores como São Justino, Irineu de Lyon e Clemente de Alexandria mostraram uma atitude aberta para com a cultura helênica, reconhecendo que ela continha elementos que prefiguravam o cristianismo. Esta posição inclusivista continuou avançando em documentos pontifícios posteriores, o mais aberto dos quais é Anúncio e Diálogo (1996). No entanto, a declaração da Dominus Iesu (6 de agosto de 2000) representou uma mudança abrupta e um retrocesso à posição eclesiocêntrica-exclusivista.

Como representantes desta segunda posição, encontramos teólogos como Karl Rahner, Jacques Dupuis e Andrés Torres Queiruga. Entre os teólogos protestantes, Wolfhart Pannenberg se destaca (D’ACOSTA, 2000).

O inclusivismo é cristocêntrico na medida em que se desloca da mediação eclesial à referência a Jesus, Cristo, único e universal mediador, mas de natureza trans-histórica. Os teólogos que defendem essa posição entendem que a ação salvadora de Cristo vai além de sua confissão explícita. Estamos dentro da concepção de “cristãos anônimos” formulada por Karl Rahner (2007). Esta expressão não é absorvedora, no sentido de anular as outras formas de crença sem respeitar a sua singularidade, mas, ao aceitar a sua especificidade, reconhece nelas traços crísticos, ainda que não cristãos. A diferença entre crístico e cristão é que cristão se refere à expressão histórico-cultural da mensagem do Evangelho, enquanto crístico seria o cerne da mensagem de Jesus: a existência entendida como doação, porque essa é a máxima revelação de Deus que aconteceu em Jesus Cristo – nele, Deus revelou que a sua essência é amar. Onde há doação, o ser humano participa da revelação crística, mesmo que não a formule com categorias cristãs. Nesse caso, estamos perante uma universalidade de carácter centrífugo, em que a autoafirmação não se fecha em si mesma, mas abre-se aos outros.

2.3 A posição pluralista-teocêntrica

O pluralismo vai um passo além e propõe uma mudança de paradigma. Na década de 1970 do séc. XX, John Hick, um teólogo anglicano, o comparou à virada copernicana: de acreditar que outras religiões giram em torno de Cristo e do cristianismo a conceber que Cristo – e com ele, o cristianismo – é apenas um planeta que, como as outras religiões, gira em torno de Deus. Daí a passagem do cristocentrismo ao teocentrismo. Entre os teólogos católicos, destacam-se Paul Knitter e Hans Kung (1988), bem como o pensador Raimon Panikkar – uma das contribuições mais relevantes a esse respeito é sua noção de diálogo intrarreligioso, segundo o qual destaca que o diálogo entre as religiões se estabelece em um quadro comum de experiência do transcendente. O pluralismo trata de levar a sério a diversidade das manifestações religiosas, considerando que todas as tradições estão equidistantes ante o Mistério, que transcende todas.

Esta terceira posição é teocêntrica na medida em que ocorre o deslocamento de Cristo para Deus ou para o Mistério. Os teólogos que defendem esta posição consideram que, na medida em que Jesus é o caminho para o Pai, o ponto de encontro entre as religiões deve ser procurado no Pai (como origem e fonte do Mistério), e não em Jesus. Cada religião tem sua mediação para alcançar o Mistério originador, e nisso reside a singularidade de cada tradição. Esta terceira posição tem correntes diversas: uma acentua mais o aspecto práxico das religiões, sublinhando o que as une em torno das causas justas da terra, o que levaria a falar em reinocentrismo; outra está mais voltada para o aspecto da transformação e da libertação que todas as religiões procuram oferecer para alcançar a salvação (soteria), tanto pessoal quanto coletiva, e por isso falamos em soteriocentrismo; e uma terceira enfatiza mais o aspecto místico ou especulativo, enfatizando a philosophia perennis, a sabedoria comum às religiões. Por sua vez, é possível distinguir, ainda, outras duas correntes: aquelas que consideram que as religiões são formas diferentes de atingir o mesmo objetivo, com tendência a minimizar as diferenças e advogar uma unidade progressiva de todas as religiões; e aquelas que consideram que esta pluralidade apresenta uma singularidade irredutível de cada uma e que nisso consiste o seu valor e riqueza. Raimon Panikkar é um dos defensores mais radicais desta segunda posição.

Usando outras categorias, podemos dizer que tanto o exclusivismo quanto o inclusivismo são unicêntricos, enquanto o pluralismo é policêntrico, tanto em seu modo centrípeto (convergente) como centrífugo (divergente). Apesar da relevância dessa tripla classificação, levantaram-se vozes que não são reconhecidas nelas, pois embora sejam rótulos que servem para orientar, também correm o risco de caricaturizar e desqualificar. Gavin d’Costa e Reinhold Bernhardt (2000) defendem um inclusivismo recíproco e a necessidade do particularismo para que haja um verdadeiro diálogo na diferença. Na mesma linha, José Ignacio González Faus (2003), diz que é conveniente especificar no que ser exclusivo, no que inclusivo e no que pluralista. Porque há um irrenunciável cristão, que é o anúncio do Deus crucificado, despojado de todo poder e incompatível com qualquer justificativa de poder, e nesse sentido devemos falar de exclusivismo; o inclusivismo está na ressurreição, na medida em que não é só Jesus que ressuscita, mas todos nós ressuscitamos com ele; e o pluralismo está na universalidade da eleição de Deus por todos os seres humanos e, portanto, em sua revelação nas várias religiões da terra.

Nos últimos anos, surgiu uma nova forma de abordar a teologia das religiões que evita essa tripla classificação, que é excessivamente simples e contrapõe elementos que são mais complexos. É a chamada nova teologia comparada. Para esta corrente, o esquema tipológico acima não responde adequadamente à tensão inevitável que deve ser mantida entre as particularidades constitutivas de cada tradição religiosa, a abertura ao diálogo e a autêntica apreciação das outras religiões. Os teólogos comparativistas tentam manter essa tensão sem renunciar a nenhum de seus dois princípios fundamentais: identidade e alteridade. Os autores mais significativos são David Tracy, Francis Clooney, James Fredericks, Robert C. Neville e Keith Ward.

Em todo caso, uma teologia das religiões exige um conhecimento profundo, não só da própria tradição, mas também de outras tradições, para não cair em confusões e erros que prejudicam ainda mais a compreensão da diversidade e dificultam as possibilidades de diálogo e encontro.  Daí a importância das equivalências homeomórficas, uma expressão usada por Raimon Panikkar para estabelecer elementos comparativos sem, com isso, cair em concordância, mas tampouco ficar paralisado por sistemas de crenças incompatíveis. Este pensador define as equivalências homeomórficas como “analogias de terceiro grau que desempenham uma função equivalente (não igual), nos respectivos sistemas, àquela que a outra noção (ou outras) desempenha em seu próprio” (PANIKKAR, 2016, p.449). Assim, por exemplo, o Deus pessoal do cristianismo não pode simplesmente ser identificado com o Brahman impessoal do hinduísmo, ou com o Tao do taoísmo, mas todos os três ocupam o mesmo lugar último em seus respectivos sistemas. Em comparação com o islã, a equivalência homeomórfica não é entre Jesus e Maomé, mas entre Jesus e o Alcorão, já que, para o cristianismo, Jesus é Deus encarnado e, para o islã, o Alcorão é o verbo de Deus; o correspondente cristão de Maomé seria Maria, no sentido de que ambos são os mediadores máximos da revelação sem serem deificados por esse motivo. Este é apenas um exemplo da dificuldade e do cuidado que se deve ter ao estabelecer diálogos teológicos entre religiões.

3 Reflexão teológica

A seguir apresentamos algumas pistas a partir das quais se pode desenvolver uma teologia das religiões – que ainda está por ser feita. Três delas surgem da tradição cristã e três delas têm um caráter mais universal e poderiam ser usadas para uma teologia transconfessional.

3.1 Chaves das categorias cristãs

3.1.1 A tri-unidade divina

Ao longo de quatro séculos, a Igreja procurou compreender como Deus, sem perder a sua transcendência, pôde tornar-se homem plenamente ao se encarnar na imanência. Assim foi surgindo a compreensão da tri-unidade divina: Deus, sem prejuízo de sua unidade, se difrata ao mesmo tempo em uma pluralidade de pessoas, em que cada uma tem sua própria atividade (economia, em linguagem patrística): o Pai é a fonte originária, o Filho é o receptáculo que recebe esta dádiva irreprimível do Pai, ao mesmo tempo que é a sua Palavra e a Forma que contém todas as formas (Cl 1,16), e o Espírito Santo é o dinamismo que está além e no interior de todas as palavras e formas. Em Jesus de Nazaré, o cristianismo histórico reconhece o Filho assumindo a forma humana. Alguns teólogos da época patrística apontavam para a possibilidade de que o Logos ensarkós (o Filho ou o Verbo encarnado) não exaurisse o Logos asarkós (o Filho ou o Verbo não encarnado). Isso deixa aberta a possibilidade de admitir que em cada religião há uma manifestação diferente do Logos asarkós. Essa foi a incursão retomada em nossos dias por Jacques Dupuis (2000, p.106-111), mas que foi rejeitada no Dominus Iesu (n.10). Por enquanto, sem poder continuar avançando cristologicamente nesta direção, o dinamismo pneumatológico permanece aberto.

Por outro lado, nas outras tradições religiosas, uma estrutura tríade pode ser reconhecida no Ser ou Realidade Transcendente:

1. Para se referir à dimensão fontal e originária de Deus (aquele que chamamos de Pai no cristianismo), no judaísmo se fala do Ein Sof ou do nome impronunciável de Yahweh; no islã, Alá é designado como Haqq (O Real); no hinduísmo, diz-se Brahman Nirguna (O Ser Supremo sem atributos); é o Sunyata (Vazio) do budismo e Tao (curso, caminho) no taoísmo.

2. Para se referir ao seu aspecto manifesto (o que Cristo, o Filho, é na tradição cristã), no judaísmo há a Sabedoria (Hokmah) de Yahweh; no islã pode ser identificado com o Livro eterno; no hinduísmo, é designado como Brahman Saguna (com atributos); é o Dharmakaya no budismo (o corpo cósmico de Buda) e a díade Yin-Yang no taoísmo.

3. Quanto ao dinamismo do Espírito, que está além de todas as formas, no judaísmo ele aparece como ruah e, no islã, o Sopro do Misericordioso; no hinduísmo, está presente como atman, no budismo como prajna-karuna (sabedoria-compaixão) e no taoísmo como Chi, a energia primordial e onipresente.

Isso não quer dizer que essas tríades expressem a mesma coisa que as três Pessoas da trindade cristã, mas verificamos algumas equivalências homeomórficas nas diferentes tradições que nos permitem estabelecer relação entre elas. A partir delas, pode-se estabelecer algum tipo de analogia, na qual suas especificidades sejam respeitadas ao mesmo tempo que se enriquecem.

3.1.2 Chave crístico-kenótica

Do ponto de vista mais estritamente cristológico, a questão que se coloca para a teologia cristã é: o que é que salva da fé em Jesus? Em que consiste seu caráter salvífico? O que salva é viver em estado de receptividade e doação, que é o cerne da vida de Jesus e da mensagem evangélica. O caminho para a Vida nada mais é do que entrega de si. Jesus revela o rosto de Deus: Deus é amor (1Jo 4,8), entrega radical de si, e Jesus encarna este amor total. O Deus kenótico revela: “Ele, estando na forma de Deus, não usou de seu direito de ser tratado como um deus, mas foi aniquilado [ekenosen], tomando a forma de escravo. Tornando-se semelhante a um homem(…) abaixou-se, tornando-se obediente até a morte, à morte sobre uma cruz” (Fl 2,6-8).

O dinamismo pascal da fé implica um processo contínuo de morte e ressurreição de nossas referências sobre Deus e seus modos de se revelar. Textos e dogmas se espalham exatamente pelo que contêm. Em última análise, falam apenas de uma coisa, que os impede de ficarem fechados em si mesmos: que há revelação de Deus onde há esvaziamento de si. Cristo Jesus é precisamente o ícone deste duplo esvaziamento: do divino no humano e do humano no divino. Este esvaziamento de Cristo não pode tornar-se mensagem exclusiva, mas sim de discernimento: onde há doação, há revelação do divino, manifestação da Realidade Última que faz todas as coisas existirem. Esta entrega é o sinal de que se proclama a Palavra de Deus que ilumina a vida dos homens, seja qual for a história concreta que a transmita.

Se Cristo é o ícone da entrega plena, confessá-lo como o Senhor deveria nos introduzir no mesmo desprendimento que nos permite reconhecer em outras manifestações outros dons do divino no humano e do humano no divino. Só na medida em que participamos de seu dinamismo kenótico podemos reconhecer o ato de revelação-doação contido nas outras tradições. A realidade completa é este ato de desapego pelo qual o divino se manifesta. O mesmo acontece com as outras tradições em relação a nós: sua entrega é a condição de possibilidade de que nos reconheçam como outras expressões daquilo que veneram. Foi o que aconteceu na teofania de Pentecostes: o autismo se transformou em comunhão.

O dinamismo pascal culmina na teofania de Pentecostes, em que o Espírito é reconhecido em cada língua. Este reconhecimento não consiste apenas em outras religiões compreenderem o que dizemos de Cristo para completá-las, mas também que somos capazes de reconhecer o que nelas é salvífico e que nos completa. A tarefa da teologia cristã é descobrir de que forma Deus também se deu a conhecer por meio de outras revelações e como ele se expressa nas outras tradições religiosas.

3.1.3 A chave do Reino

É tarefa de uma teologia cristã das religiões reconhecer as implicações práxicas de cada formulação doutrinária. A ortopráxis não é apenas uma questão ética, mas radicalmente teológica: “cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40). O que salva, da fé em Jesus, não é uma questão cognitiva, mas um modo de vida que liberta do egocentrismo. “Nem todo aquele que diz: ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus ”(Mt 7,21). A vontade de Deus é a doação, porque ele mesmo é doação, ele é amor. Assim, quem vive no amor vive em Deus e em Cristo, qualquer que seja o nome com que se identifique. Portanto, o critério teológico, que por sua vez é um critério de discernimento para abordar outras tradições religiosas, consiste em observar como se expressa, motiva e promove a abertura à alteridade e o compromisso com a solidariedade.

3.2 Chaves de categorias transconfessionais

Além disso, e além das categorias especificamente cristãs, se pode identificar três chaves transversais para todas as tradições religiosas.

3.2.1 Revelação e excedente apofático

As religiões estão indissociavelmente ligadas à noção de revelação e toda revelação tende a ser considerada a única, ou a mais completa e definitiva. Por isso o encontro teológico entre as religiões é tão complexo, porque nenhuma pode renunciar à sua completude e, por sua vez, se confronta com a existência das outras. A aproximação entre elas só é possível se deixarmos de competir entre todos e estivermos prontos para compartilhar plenitudes. Na medida em que toda religião se reconhece como receptáculo de um mistério que a ultrapassa, ela pode se abrir para esse excedente de Realidade e tentar aceitar que cada religião pode conter esse Mistério à sua maneira. Para isso, é necessário captar o núcleo fundante, incandescente, de cada religião. Um esforço deve ser feito para reconhecer a experiência religiosa do outro de dentro. Por sua vez, cada religião não pode fazer isso senão a partir de suas próprias categorias.

À medida que reconhecemos que nossas imagens do Absoluto são radicalmente condicionadas por nossa finitude, o horizonte último do que é se alarga. Isso nos leva à dimensão apofática da fé, ali onde palavras e conceitos desaparecem na sua origem, ajudando a livrar-se da tentação idólatra de reduzir Deus a categorias humanas. Em todas as tradições existe um dinamismo de transcendência para se abrir a um Deus semper maior; todas têm o antídoto para evitar cair nesse perigo, pois se referem a uma fonte que as transcende. No caso do judaísmo, é a experiência contínua do êxodo em que Deus se revela como um não Nome, YHVH, porque é impronunciável; no cristianismo, trata-se do dinamismo pascal, no qual nossas imagens de Deus morrem repetidamente para renascer em um plano posterior; no islã, nos deparamos com a experiência da hégira (“partida”, “saída”, “emigração”), pois ela está presente na prostração de sua oração, o sujud, da qual brota a expressão: Allah Akbar, “Deus é sempre maior ”, lembrando que toda imagem ou apropriação de Deus é idolatria; no hinduísmo, está presente no dinamismo de Shiva, o aspecto destrutivo-recriativo de Deus, bem como na crença de que Brahman mostrou apenas um quarto de seu ser; no budismo, o vazio (sunyata) preserva toda tentação da substanciação, assim como no Zen fala da Grande Morte; no taoísmo, o próprio Tao (caminho, via) não é um substantivo, mas um verbo que indica o fluxo de todas as coisas e que não se deixa levar por nenhuma.

3.2.2 A dimensão teológica e teologal do diálogo

O ser humano, como criatura, é radicalmente um ser dialógico. Teologicamente, existimos a partir do Outro de nós e biologicamente somos o resultado do encontro entre dois seres. Sem relacionamento, não somos. Sem os outros, não há linguagem e, portanto, não há ato ou reflexão teológica. Sair ao encontro do outro e dialogar não é algo casual ou sobreposto à fé, mas faz parte da mesma experiência religiosa. Isso implica uma fé dialógica, não monológica, que acaba fechada em si mesma, transformando suas próprias crenças em idolatria, brandindo-as como troféus frente a outras.

Se o diálogo é constitutivo da reflexão teológica, significa que a escuta e a abertura à alteridade fazem parte da teologia como método. Isso faz uma teologia aberta, como deve ser toda teologia se realmente quiser se referir a Deus como Mistério, e não como uma ideologia. O pluralismo religioso torna-se uma oportunidade de escuta e abertura a esse mesmo Mistério multiforme, que se expressa tanto através das culturas como das linguagens humanas. Porque as religiões nada mais são do que as entranhas transcendentes de cada cultura. Fazer teologia das religiões é exercitar a capacidade de escuta e abertura.

Tudo isso significa que, mais do que uma teologia do diálogo, se esteja a intuir a necessidade de uma teologia em diálogo (DUPUIS, 2000, p. 292-298).

3.2.2 Coinspiração das religiões para uma tripla abertura ao Real

As religiões são chamadas a conspirar no impulso do ser humano em direção ao espírito. Se não competirmos entre totalidades e compartilharmos plenitudes, podemos nos ajudar reciprocamente. As religiões, como re-ligare, re-legere, re-eligere, promovem um triplo vínculo e, ao mesmo tempo, uma tripla abertura em relação às três dimensões da realidade: a divina, a humana e a cósmica. Cada uma delas abre um caminho e as três estão presentes em todas as tradições.

a) A forma mística e contemplativa

No momento do encontro inter-religioso, as fórmulas mentais com que cada tradição descreve o Mistério são desafiadas e, por isso mesmo, libertas da tentação de absoluto e de literalismo. O que é desconfortável para a segurança mental resulta em purificação para o processo da fé. O diálogo inter-religioso ajuda a aprofundar a desidolatrização dos dogmas e a potencializar sua iconização. Dogmas guiam a fé, mas não podem literalizá-la, porque então bloqueiam o próprio processo de fé que tentam suscitar. As diferentes concepções do divino são caminhos para percorrer dentro de cada tradição e copos para dar de beber aos convidados que chegam. A dimensão apofática da fé ajuda a evitar que catedrais, sinagogas, pagodes e mesquitas se tornem prisões dogmáticas.

b) A via profética e ética

O encontro inter-religioso permite compartilhar o impulso profético de todas as tradições religiosas. Todas elas denunciam a tentação totalitária de qualquer ideologia ou cidade terrena de abri-la à alteridade. A única maneira de ir em direção ao Outro é a interpelação que a presença do outro nos faz. Diante da exigência de sua necessidade, saímos de nós mesmos em direção ao Outro por e para o outro. Todas as origens das religiões estão ligadas a uma mensagem libertadora que constrói a comunidade humana com critérios de fraternidade e justiça. Deste modo, as religiões mostram-se mestras do humano e promovem a via ética, também em diálogo com as tradições seculares.

c) A via ecológica

O terceiro vetor em que as religiões podem coinspirar e fecundar umas às outras é no respeito à natureza. A sensibilidade ecológica não é um modismo, mas um sinal dos tempos de um momento crítico do planeta. Trata-se de passar de uma atitude altiva e predatória para com a natureza para venerá-la e guardá-la, agradecendo a todo o momento o que ela nos proporciona. A transformação do meio ambiente não pode ser exercida como uma violência contra a terra, mas de uma forma radicalmente “religiosa”, isto é, de religação, que leve em conta que a natureza faz parte de nós e nós dela. O cristianismo é chamado a reconhecer honesta e humildemente que a sua concentração antropológica o fez negligenciar os laços com a natureza e que devemos recorrer à sabedoria das tradições que a ela estão mais intimamente ligadas.

4 Questões abertas

As conclusões só podem ser aberturas. Cristo na cruz é a passagem pela qual se deve entrar para ter acesso à Vida. E não há outra Vida senão a participação daquele que é um dom contínuo de si mesmo. Cristo não fecha o diálogo, mas o abre revelando que o fundo da existência é a doação pura, absoluta e permanente de si mesmo. A teologia cristã do pluralismo religioso é chamada a descobrir como outras religiões são caminhos pelos quais a Realidade Última se entrega e se revela. E, para isso, deve estar disposta a reconhecê-la sob outros nomes e outras formas além daqueles que já conhece. O dinamismo pascal de perda e rasgo do véu do templo mostra que o ato teológico é, também ele, um ato de entrega. Só assim ele pode apreender toda a realidade como entrega e Páscoa de Deus, pela qual vamos continuamente de uma margem à outra em direção a um Deus sempre maior.

Para continuar avançando no campo da teologia das religiões, os seguintes pontos devem ser levados em consideração:

1. É essencial conhecer a fundo as outras tradições religiosas. Um conhecimento que não pode se limitar à mera informação, mas debe tentar perceber com o terceiro olho, o olho do espírito e do coração, a verdade que nelas pulsa.

2. Uma teologia que ajude a tomar consciência de que toda religião é linguística e culturalmente condicionada e, assim, não pode ter suas formulações ou interpretações como absolutas. Isso impregna a teologia e as religiões de humildade e as deixa abertas, conscientes de que estão sempre situadas no espaço e no tempo humanos.

3. Na medida em que a teologia fala de Deus, deve deixar Deus falar. Daí a necessidade de restaurar a teologia à sua dimensão mística. Sem ela, as religiões se tornam ideologia e, em vez de falar do Mistério, que é inexaurível e insubstituível, falam apenas de si mesmas e para si mesmas.

4. Uma teologia que seja, ao mesmo tempo, antropologia e que ajude a descobrir o fundo transcendente do ser humano e das culturas, ainda que se expressem de formas diferentes. A teologia das religiões é chamada a celebrar esta diversidade e também a interpretá-la.

5. Uma teologia das religiões que reflete sobre o mundo e para o mundo. A sua tarefa deve ser profética e inspiradora, chamada a comprometer-se com as causas urgentes e difíceis do mundo e a iluminá-las com a luz que lhe é específica. A sua tarefa é fazer com que as religiões se entendam e sejam significativas para o nosso tempo, atentas ao que está cada vez mais em jogo: a sobrevivência do planeta.

Por fim, permanece em aberto a questão de saber se é possível fazer uma teologia metaconfessional ou se não é possível subtrair-se ao quadro confessional a partir do qual se reflete sobre as outras e a própria religião. É uma questão aberta, como radicalmente está aberto o mistério.

Javier Melloni, SJ. Facultad de Teología de Catalunya. Texto original em espanhol. Postado em dezembro de 2020.

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