Ética e teologia no Antigo Testamento

Sumário

1 A imagem de Deus

1.1 O Deus da libertação

1.2 O Deus da Aliança

1.3 O Deus da Torá

2 A imagem do ser humano

2.1 A imagem e semelhança

2.2 O apelo a “caminhar com Deus”

2.3 O agir radicado na liberdade

3 Fé e ética

3.1 Duas faces da mesma moeda

3.2 A historicidade da fé

3.3 A secundariedade do culto

4 Grandes vertentes da ética bíblica

4.1 O amor entranhado a Deus

4.2 O cuidado com o próximo

4.3 A recriação da fraternidade

5 Quatro palavras basilares

5.1 Direito – mishpat

5.2 Misericórdia – hesed

5.3 Justiça – sedaqah

5.4 Fidelidade – emet

6 Referências bibliográficas

As entrelinhas do texto bíblico revelam uma indissociável relação entre teologia e ética. A atenção de Deus está voltada para o ser humano e suas ações na história. O ser humano, por sua vez, confronta-se com o projeto de Deus, a ser acolhido ou rejeitado. Acolhida ou rejeição, atos da liberdade humana, significam decidir-se, ou não, por um projeto de vida sintonizado com os anseios divinos para a humanidade. Os atos do homem e da mulher de fé são expressões de comunhão ou de discrepância com o que se reconhece serem as orientações do Criador para as suas criaturas. A longa trajetória do povo de Israel, desembocando nas comunidades cristãs, descreve o percurso da humanidade desejosa de adequar seu caminhar (ética) ao querer do Deus de sua fé (teologia).

A vertente ética faz-se presente em todas as grandes tradições literário-teológicas do Antigo Testamento. Ao se referirem ao diálogo entre Deus e a humanidade, comportam as exigências divinas para o ser humano, inserido na história e desafiado a viver, aí, a fidelidade ao Deus do povo. A Tradição Legal (a Torá), por natureza, reporta-se ao projeto de Deus para seu povo formulado com leis apodíticas e casuísticas, mas, também, como narrações que sugerem modos de proceder. A Tradição Profética, ao denunciar os desvios de conduta da liderança e do povo, aponta para o que Deus espera de Israel. A Tradição Histórica narra as consequências da fidelidade e da infidelidade do povo ao seu Deus e comporta um apelo para a vida virtuosa, pressuposto para a bênção divina. A Tradição Sapiencial confronta o fiel com a exigência de se decidir por Deus – o caminho da vida –, evitando-se a impiedade e a injustiça – o caminho da morte. A oração de Israel, cujo repertório mais significativo encontra-se nos Salmos, aponta para prática da piedade, feita de comunhão com Deus e com o próximo. Assim, qualquer que seja a porta de entrada para a leitura bíblica veterotestamentária, o fiel se defrontará com indicativos éticos incontornáveis. As muitas imagens de Deus, desde o Deus da Criação, passando pelo Deus da Libertação e, também, do Exílio, para desembocar no Deus na Esperança, todas elas, comportam apelos de conduta para o israelita fiel. Confrontar-se com Deus (teologia) significa escutar-lhe as exigências (ética).

1 A imagem de Deus

O linguajar teológico da Bíblia refere-se sempre a Deus na relação com suas criaturas, de modo particular, o ser humano. O diálogo de Deus com o ser humano revela a preocupação divina com a realidade de cada pessoa, sua situação e seu modo de proceder na história. Um dado original da religião de Israel consiste no enraizamento histórico da teologia, com o consequente desdobramento ético.

1.1 O Deus da libertação

O fato fundante da religião bíblica é a libertação dos israelitas da opressão egípcia. Um Deus de índole ética é movido a intervir para arrancar das garras do opressor um povo fadado ao extermínio pela crueldade do faraó. “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa de seus opressores, pois conheço as suas angústias. Por isso desci, a fim de libertá-lo da mão dos egípcios e fazê-lo subir desta terra para uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel” (Ex 3,7-8).

Os verbos ver, ouvir, descer, libertar e fazer subir definem o agir ético de Deus e apontam para a conduta esperada do ser humano. Ver e ouvir supõem proximidade e atenção em face ao sofredor. Descer corresponde a se desinstalar com o propósito de agir. Libertar e fazer subir são gestos concretos em favor do oprimido. Constatar a realidade do oprimido sem a consequente ação resulta em comiseração estéril e, por consequência, dispensável. Eis por que Deus toma as providências para a reversão da sorte dos israelitas. Serão tirados da terra da opressão e conduzidos à terra da fraternidade.

A expressão “meu povo” sublinha o afeto divino, no trato com os israelitas. Deus se sente ligado àquele povo insignificante, “o menor dentre os povos” (Dt 7,7), assumindo-o como povo de sua predileção. Israel será o povo de Deus, libertado da escravidão e do risco de ser eliminado. O grande desafio consistirá em se deixar guiar pelo Deus libertador, a quem não agradam a injustiça e a opressão.

1.2 O Deus da Aliança

A libertação foi o gesto salvífico de Deus. Embora sinta os israelitas como “meu povo”, está na dependência de ser acolhido como o Deus do povo. A relação deverá ser selada com um pacto – berit – bilateral, engajando ambas as partes. Os termos do pacto podem ser formulados de dois modos complementares: na perspectiva de Deus, “Eu serei o teu Deus e tu serás o meu povo”; na perspectiva do povo, “Nós seremos teu povo e tu serás nosso Deus” (cf. Jr 31,31-34; Ez 11,20). Cabe aos israelitas a decisão, pois, da parte de Deus, a escolha já está feita: Israel é “meu povo”.

Portanto, a salvação antecedeu a aliança. Deus libertou os israelitas da opressão antes de ser acolhido como o Deus de Israel. Seu gesto de misericórdia foi inteiramente gratuito e independeu dos méritos do povo ou de qualquer obrigação de sua parte, ao tomar as dores de Israel, por ser incapaz de se manter impassível diante do sofrimento dos fracos e pequeninos.

A aliança é uma proposta a ser acolhida ou rejeitada. YHWH não se imporia a Israel, atropelando-lhe a liberdade. Porém, ao aceitá-lo como seu Deus, Israel estaria se comprometendo com um projeto de vida fundado na compaixão e na misericórdia, experimentadas na libertação da escravidão egípcia. A fé resultante da aliança apelaria para relações justas no trato com o semelhante. Esta seria a maneira correta de ser fiel ao pacto selado com Deus. O componente ético da aliança é incontornável.

1.3 O Deus da Torá

O projeto ético de YHWH está codificado no Decálogo (cf. Ex 20,1-17; Dt 5,6-22), no Código da Aliança (cf. Ex 20,22-23,19), no Código Deuteronômico (cf. Dt 12-26) e no Código Sacerdotal (cf. Lv 17-26). Estas formulações, no estilo dos códigos de lei da antiguidade, abrangem todas as áreas de ação da pessoa de fé, sem se limitarem ao culto. Correspondem a uma espécie de código de ética para quem aderiu à aliança com YHWH.

As leis da Torá têm como objetivo regular as relações humanas, para evitar qualquer forma de injustiça ou de detrimento em relação aos mais fracos, cuja dignidade é aviltada pela ação dos prepotentes. Qualquer ato resultante em vitimização dos pobres e dos indefesos terá a reprovação divina e consistirá em afronta ao Deus de Israel. Na direção contrária, tomar partido em favor deles significa agir em sintonia com Deus.

Diferentemente dos códigos legais de outros povos, a Torá bíblica é atribuída a YHWH. Sua origem é divina e, portanto, inquestionável. “Deus pronunciou estas palavras dizendo (…)” (Ex 20,1), “YHWH disse a Moisés (…)” (Ex 20,22), “YHWH falou convosco face a face, do meio do fogo, sobre a Montanha. Eu estava então entre YHWH e vós, para vos anunciar a palavra de YHWH, pois ficastes com medo do fogo e não subistes à montanha. Ele disse (…)” (Dt 5,4-5). “YHWH falou a Moisés e disse: ‘Fala a Aarão, a seus filhos e a todos os israelitas. Tu lhes dirás: Isto é o que ordena YHWH’ (…)” (Lv 17,1-2) são maneiras de atribuir a YHWH o projeto ético pelo qual os israelitas deverão se pautar.

2 A imagem do ser humano

As exigências éticas da Bíblia supõem uma concepção de ser humano, pensado na relação com Deus, donde se desdobrarão as relações com os semelhantes. O trato com o próximo decorre da abertura para o querer divino; o querer divino aponta o modo de proceder adequado no trato com o próximo. Teologia e antropologia, por conseguinte, interpenetram-se, tornando indissociáveis o modo de ser e de proceder do ser humano e o modo de ser e de proceder do Deus libertador.

 2.1 A imagem e semelhança

A decisão divina de criar o ser humano à sua “imagem e semelhança” (Gn 1,26.27) tem um forte componente ético. Diferentemente das demais criaturas, teria como vocação fundamental seguir os passos de Deus na criação, exercendo o domínio sobre as demais criaturas, na condição de continuador da obra divina. Dominar significa responsabilizar-se pelo que saiu das mãos de Deus com o selo da bondade, como declara o refrão repetido no final de cada etapa da obra criadora – “Deus viu que isso era bom!” – para se concluir com a constatação – “Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gn 1,31). Por ser imagem e semelhança de Deus, o ser humano deve agir como Deus, no trato com o semelhante e com as demais criaturas.

Elemento fundamental na obra da criação é a igualdade de posição entre homem e mulher. “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou” (Gn 1,27). O componente ético dessa declaração é inegável. Fica, assim, denunciada como contrária ao desejo do Criador toda tentação de sobrepor o homem à mulher, considerando-a inferior. O machismo, erva daninha na história da humanidade, é uma deturpação do querer divino original.

A “imagem e semelhança” apela para a capacidade de o ser humano agir em sintonia com o Criador. Foi depositado em seu coração o que Deus tem de melhor. Bondade, misericórdia e compaixão são características do ser humano, distinguindo-o dos demais seres vivos. Os gestos humanos de bondade, em última análise, expressam a bondade de Deus, presente no íntimo do homem bom. O mesmo se diga das ações misericordiosas, dos atos de cuidado com o semelhante e da compaixão em face aos sofredores. Por este viés, Deus se faz presente na história, como “Deus de ternura e compaixão” (Ex 34,6).

 2.2 O apelo a “caminhar com Deus”

O profeta Miqueias formulou com precisão o apelo que ressoa no coração de cada ser humano. “Foi-te anunciado, ó homem, o que é bom e o que YHWH exige de ti: nada mais que praticar a justiça, amar a bondade e te sujeitares a caminhar com teu Deus” (Mq 6,8). Essa proposta de vida supõe uma relação inextricável entre o humano e o divino. O caminhar com Deus – o caminho da fé – concretiza-se nos gestos de justiça e de bondade, nas relações interpessoais. Caminhar com Deus significa, por consequência, caminhar com o próximo.

Caminhar é verbo de ação que aponta para a dinâmica da vida humana, sempre em movimento, onde surgem novas possibilidade de ser justo e bondoso. Na medida em que está com Deus, o ser humano, ao se defrontar com o próximo, será apelado a atuar como atuou o Deus apiedado com o Israel sofredor nas mãos do faraó egípcio. A ética bíblica, portanto, supõe o ser humano caminhante, sem se cansar na prática do bem. Parar e cruzar os braços correspondem a bloquear a possibilidade de Deus fazer o bem à humanidade, pela mediação da pessoa de fé.

A presença de Deus na caminhada do fiel tem a força de inspirar-lhe ações conformadas com o projeto divino, na linha do amor misericordioso. A renúncia ao caminhar com Deus tem o efeito de deixar o ser humano largado à própria sorte com o risco de se desviar do bom caminho e enveredar pelas estradas tortuosas do vício e da impiedade. Ter Deus como companheiro de caminhada possibilita-lhe perseverar na prática do bem, embora devendo enfrentar desafios que põem à prova a consistência de sua fé.

 2.3 O agir radicado na liberdade

O tema da liberdade perpassa toda a Bíblia. A imagem e semelhança divina não privam o ser humano de seu elemento identificador, ou seja, a capacidade de se decidir. A decisão mais radical consiste em poder dizer não ao querer divino e seguir os apelos das paixões e dos instintos. O relato da criação atenta para este dado da realidade humana ao falar de Adão e Eva, que dão ouvido à serpente, à revelia da ordem divina. “YHWH Deus deu ao homem este mandamento: ‘Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em dela comeres terás que morrer’” (Gn 2,16-17). Por sua vez, a serpente sugere à mulher: “Não, não morrereis! Mas Deus sabe que, no dia em dele comerdes, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e no mal” (Gn 3,4-5). A mulher deixa-se levar pela serpente e induz o marido a fazer o mesmo. O mandamento de Deus foi deixado de lado. Misterioso é Deus não ter cumprido a promessa de infligir-lhes a morte. Antes, os expulsa do Jardim do Éden, poupando-lhes a vida. Doravante, sua existência consistirá num contínuo desafio de fazer escolhas certas.

Em muitas ocasiões, a Bíblia refere-se à encruzilhada na qual o ser humano continuamente se encontra. “Eis que hoje ponho diante de ti a vida e a felicidade, a morte e a infelicidade” é a constatação de Dt 30,15. Mais adiante se dá um conselho sensato: “Escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência, amando a YHWH teu Deus, obedecendo à sua voz e apegando-te a ele” (Dt 30,19-20). Dt 11,26-28 formula a decisão em forma de obediência ou desobediência aos mandamentos de YHWH, com o desfecho de bênção e maldição pela escolha feita. A sorte do fiel está na dependência de um ato da liberdade, sem qualquer imposição da parte de Deus. O Salmo 1 descreve o caminho dos justos e o caminho dos ímpios, com os respectivos resultados (cf. Pr 4,18-19). Cabe ao ser humano decidir-se e assumir as consequências.  Eclo 15,11-20 trata da liberdade humana. Uma afirmação lapidar define a condição humana: “Desde o princípio Deus criou o ser humano e o abandonou nas mãos de sua própria decisão” (Eclo 15,14). Donde a responsabilidade por cada um de seus atos, sem o álibi de atribuí-la a outrem. “Não digas: ‘É o Senhor que me faz pecar’ (…) Não digas: ‘E ele que me faz errar’” (Eclo 15,11-12). A personificação da Sabedoria (cf. Pr 9,1-6) e da Insensatez (cf. Pr 9,13-18) aludem à dupla voz a ressoar no íntimo do coração humano, diante das quais é desafiado a se posicionar.

A ética bíblica, embora de caráter religioso, jamais atropela a liberdade humana. Existe uma proposta divina a ser acolhida ou rejeitada. Acolhê-la significa aderir a YHWH e decidir-se a caminhar com ele. Pelo contrário, rejeitá-la é a decisão de dispensar YHWH e lançar-se solitário nas aventuras da vida, com o risco de se perder. Em hipótese alguma, a decisão será produto de pressão ou de ameaça. Cabe ao ser humano optar e arcar com as consequências da opção.

3 Fé e ética

A fé bíblica, expressa na imagem de Deus, concretiza-se num ethos, correspondente à proposta de vida de origem divina para o fiel. O binômio fé-ética pode ser desdobrado nos binômios fé-vida, contemplação-ação, oração-engajamento social, adoração-cuidado com o próximo, e outros. Em todos eles, a relação com o Transcendente move a pessoa de fé ao compromisso com os irmãos e as irmãs e com a comunidade.

 3.1 Duas faces da mesma moeda

Teologia e Ética, na Bíblia, são como as duas faces de uma moeda. Caminham sempre juntas! A vertente teológica fala de Deus preocupado e atento ao ser humano, à sua conduta e à sua sorte. Jamais se pensa um Deus alienado, fechado no mundo celeste, despreocupado com o destino da humanidade e de suas criaturas. Antes, é um Deus filantropo, na expressão de Sb 11,24-26 – “Tu amas tudo o que criaste, não te aborreces com nada do que fizeste; se alguma coisa tivesses odiado, não a terias feito. E como poderia subsistir alguma coisa, se não a tivesses querido? Como conservaria sua existência, se não a tivesses chamado? Mas a todos poupas, porque são teus: Senhor, amigo da vida”. O Deus de Israel caracteriza-se pela preocupação com a vida.

A vertente ética aponta para o ser humano chamado a adequar sua vida ao querer divino, tornando-o o norte de sua ação. Esta forma de teonomia de modo algum transforma-o em joguete nas mãos da divindade, pois em sua origem está uma decisão livre por abraçar o projeto de Deus como caminho de vida. Por outro lado, a possibilidade de romper com Deus e seguir o caminho da impiedade e da morte estará sempre diante do ser humano. O Salmo 73(72) refere-se à tentação do justo de se bandear para a infidelidade. “Por pouco meus pés tropeçavam, um nada, e meus passos deslizavam, porque invejei os arrogantes, vendo a prosperidade dos ímpios” (v.2-3). Entretanto, o justo supera a tentação e se decide por Deus. “Quanto a mim, estou sempre contigo, tu me agarraste pela mão direita; tu me conduzes com teu conselho e com tua glória me atrairás (…) A rocha do meu coração, minha porção é Deus, para sempre! (…) Quanto a mim, estar junto de Deus é o meu bem!” (v.23-28).

A atitude do ímpio, ao negar a existência de Deus, é atípica na sociedade de Israel. “Diz o insensato em seu coração: ‘Deus não existe!’ (…) Não sabem todos os malfeitores que devoram meu povo como se comessem pão, e não invocam a YHWH?” (Sl 14,1.4). O fenômeno moderno do ateísmo era desconhecido. Enveredar-se pelo caminho da maldade significava romper com o Deus de Israel e sua lei. Na direção contrária, praticar a justiça tornava-se ato de piedade de alta consistência religiosa.

 3.2. A historicidade da fé

A interação fé e ética se deve ao enraizamento histórico da revelação do Deus de Israel. YHWH se fez conhecer na história e, na história, se estabelece o relacionamento com ele. Nada acontece fora da história, na relação do fiel com seu Deus. Aí se dá o ato de fé, com seu desdobramento de fidelidade ou infidelidade. Aí o fiel se compromete com seu Deus e se dispõe a ser-lhe obediente. Aí é possível experimentar a conversão, ao escutar os apelos de Deus, de modo especial, pela voz dos profetas. “Volta, Israel, a YHWH teu Deus, pois tropeçaste em tua falta. Tomai convosco palavras e voltai a YHWH. Dizei-lhe: ‘Perdoa toda culpa, aceita o que é bom. Em lugar de touros nós queremos oferecer nossos lábios (…) porque é em ti que o órfão encontra misericórdia’” é o apelo de Oseias ao Israel infiel (Os 14,2-4).

O líder Josué, tendo reunido todas as tribos em Siquém, urge tomar uma decisão, no momento em que estão instaladas, cada uma no respectivo território. “Escolhei hoje a quem quereis servir (…) Quanto a mim e à minha casa, serviremos a YHWH” (Js 24,15). O povo responde unânime: “Nós também serviremos a YHWH, pois ele é nosso Deus (…) É a YHWH que serviremos (…) A YHWH nosso Deus serviremos e à sua voz obedeceremos” (Js 24,18.21.24). Servir a YHWH corresponde a viver o dia a dia segundo o estatuto e o direito fixado por Josué, como “Lei de Deus” (cf. Js 24,25-26). O desafio consistirá em fazer valer a misericórdia no trato mútuo, de forma que a fraternidade aconteça, deixando para trás a opressão egípcia. A obediência e o serviço a YHWH se tornarão visíveis no estilo de vida das tribos. De igual modo, a desobediência e a infidelidade!

3.3 A secundariedade do culto

Os profetas de Israel chamaram a atenção para o papel secundário do culto, na relação com a ética. Deus não se agrada com os sacrifícios e holocaustos, quando a vida do fiel está em descompasso com o seu querer. Só a correta relação com o próximo, baseada no direito e na justiça, dispõe o crente para o culto verdadeiro.

Isaías levantou-se contra o culto praticado em seu tempo (cf. Is 1,10-20). Deus mesmo declara estar farto dos holocaustos, sacrifícios, oferendas, festas e peregrinações feitos para honrá-lo. “Estou farto (…) não posso suportar falsidade e solenidade” (v.11.13).  “Quando estendeis vossas mãos, desvio de vós meus olhos. Ainda que multipliqueis a oração não vos ouvirei. Vossas mãos estão cheias de sangue” (v.15). O culto agradável a Deus tem pressupostos éticos bem claros. “Tirai da minha vista vossas más ações! Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem! Buscai o direito e corrigi o opressor! Fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva!” (v.16-17). O culto sem o respaldo da ética fica esvaziado!

Amós vai na mesma direção (cf. Am 5,21-27). A injustiça desacredita o culto. “Eu odeio, eu desprezo as vossas festas e não gosto de vossas reuniões. Porque, se me ofereceis holocaustos (…), não me agradam as vossas oferendas e não olho para o sacrifício de vossos animais cevados. Afasta de mim o ruído de teus cantos, eu não posso ouvir o som de tuas harpas!” (v.21-23) são palavras postas na boca de Deus. A atenção de Deus está voltada para o coração de quem o cultua, sem lhe importar o que faz e o que lhe oferece. A exigência é precisa: “Que o direito corra como a água e a justiça como um rio caudaloso!” (v.24). Portanto, culto autêntico só com o respaldo do direito e da justiça.

Em outro oráculo, o profeta ironiza as peregrinações aos santuários tradicionais de Israel (cf. Am 4,4-5). Peregrinar a Betel e a Guilgal é um caminho de pecado. Os sacrifícios, os dízimos e as oferendas voluntárias satisfazem o gosto dos adoradores – “porque é assim que gostais, israelitas” (v.5) –, mas não a YHWH. A motivação se repete: a sociedade de Israel carece de direito e de justiça, no trato dos fracos e indefesos. A má conduta ética torna o culto desprezível para Deus.

Jeremias faz eco aos profetas que o antecederam. “Que me importa o incenso que vem de Seba, e a cana aromática de países longínquos? Vossos holocaustos não me agradam e vossos sacrifícios não me comprazem” (Jr 6,20). Mais adiante, o profeta se levantará contra o Templo de Jerusalém, único lugar de culto em sua época, por se ter instalado aí um culto desprovido de compromisso ético (cf. Jr 7,1-15). O culto agradável a Deus não se coaduna com a prática da injustiça, da opressão do estrangeiro, do órfão e da viúva, com o derramamento de sangue inocente “neste lugar” e com a idolatria. A sorte do Templo haveria de ser a mesma do antigo santuário de Silo, onde estava a Arca da Aliança (cf. 1Sm 4,1-11).

A denúncia de Jeremias evoca a pregação de Miqueias que, como ele, havia anunciado a ruína de Jerusalém devido à corrupção geral instalada na cidade. “Por culpa vossa, Sião será arada como um campo, Jerusalém se tornará lugar de ruínas, e a montanha do Templo, cerro de brenhas!” (Mq 3,12; cf. Jr 26,18). A grandeza dos locais de culto a YHWH não resulta da grandiosidade das liturgias e, sim, da qualidade ética de quem lhe presta culto.

4 Grandes vertentes da ética bíblica

Dois são os vetores da ética, no âmbito da Bíblia: Deus e o próximo. Passa por aqui toda a ação do israelita de fé, preocupado em vivê-la com autenticidade. Correspondem-lhe dois desafios: a idolatria e o egoísmo. Bandear-se para outros deuses tem como consequência aderir a outro ethos, incompatível com o projeto de YHWH; buscar os interesses pessoais, em detrimento do irmão carente, só é possível para quem rompeu com seu Deus.

4.1 O amor entranhado a Deus

A formulação mais peremptória da relação do crente com YHWH exige dele adesão incondicional e irrestrita. “Ouve, ó Israel: YHWH nosso Deus é o único YHWH! Portanto, amarás YHWH teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força!” (Dt 6,4-5). O coração do fiel estará inteiramente voltado para YHWH, a ponto de determinar-lhe toda a conduta. Cada gesto terá, aí, sua raiz e será todo carregado de densidade teológica.

Criatura alguma, jamais, poderá ocupar o lugar reservado apenas para Deus na vida do crente, sob pena de desdizer-lhe totalmente a fé. Os profetas de Israel serviram-se de metáforas matrimoniais para denunciar a idolatria do povo, considerando-a adultério. A experiência pessoal de Oseias serviu-lhe de parábola para compreender o que se passava com o povo (cf. Os 1,2-9). A conversão corresponde à reconstrução da fidelidade matrimonial, à conduta esperada da esposa fiel. “Eis que, eu mesmo, a seduzirei, conduzi-la-ei ao deserto e falar-lhe-ei ao coração!” (Os 2,16). A fidelidade processa-se no mais íntimo do fiel, determinando-lhe todo o modo de proceder. É onde acontece o amor entranhado a Deus.

4.2 O cuidado com o próximo

A ética bíblica tem um foco bem preciso: o próximo necessitado ou fragilizado. Os escravos não podem ser maltratados (cf. Ex 21,1-11; Dt 15,12-18). O pobre e o inocente gozarão de proteção, evitando-se serem explorados (cf. Ex 23,6-8). A mulher, casada ou não, carente de peso social, era protegida pela Lei (cf. Ex 22,25-16; Dt 22,22-23,1). A vida humana gozava de especial cuidado, a ponto de se dever tirar a vida aos assassinos (cf. Ex 21,12-36; Lv 24,17; Dt 24,7). A prática da agiotagem era condenada com força, por vitimar as pessoas mais frágeis da sociedade (cf. Ex 22,24; Lv 25,35-37; Dt 23,20-21). O manto tomado em penhor deveria ser restituído antes do pôr do sol, por ser o agasalho com o qual o pobre se protegeria do frio (Ex 22,25-26; Dt 24,12-13). O dízimo trienal pertencia ao estrangeiro, ao órfão e à viúva, para comerem e se saciarem (cf. Dt 14,28-29; 26,12-13). O falso testemunho era coibido, para não se penalizar o inocente, vítima da maldade alheia (cf. Dt. 19,15-21). O trabalhador diarista tinha o direito de receber o salário no mesmo dia, antes do pôr do sol, por ser pobre e necessitado (cf. Dt. 24,14-15; Lv 19,13). Uma sociedade sem cuidado com os pobres, as viúvas, os órfãos e os estrangeiros caminha na contramão de Deus.

4.3 A recriação da fraternidade

A desobediência de Adão e Eva (cf. Gn 3) e o fratricídio de Caim (cf. Gn 4) rompem o projeto divino original, alicerçado na comunhão. Os relatos da criação descrevem a perfeita harmonia nas relações entre Deus e o ser humano, dos seres humanos entre si e destes consigo mesmo e com a natureza. A nova realidade abriu as portas para toda sorte de iniquidade, dando origem à banalização da vida humana. A vingança sem freios é referida nos primórdios da humanidade. “Caim é vingado sete vezes, mas Lamec, setenta e sete vezes” (Gn 4,24). Mais adiante se faz uma constatação espantosa: “YHWH viu que a maldade do homem era grande sobre a terra, e que era continuamente mau todo desígnio de seu coração. YHWH arrependeu-se de ter feito o homem sobre a terra, e afligiu-se o seu coração” (Gn 6,5-6).

A sequência da narração bíblica pode ser entendida como o esforço de se recriar a comunhão e a fraternidade queridas por Deus. Os seres humanos foram desafiados a encontrar uma forma de convivência que fizesse deles irmãos e irmãs da grande família dos filhos e filhas de Deus. A ética daí decorrente se entende como o resultado do diálogo entre YHWH e o ser humano, em busca da forma conveniente de conviver. O querer divino corresponde a tudo quanto favoreça e promova o entendimento e o respeito entre as pessoas. Na direção contrária, situam-se as ações geradoras de divisão, injustiça e morte. Esta é a chave para se compreender o que, na história, sintoniza com a verdadeira ética de matiz teológico.

5 Quatro palavras basilares

Quatro palavras se fazem insistentemente presentes quando os textos bíblicos aludem à ética, decorrente da fé em YHWH, o Deus de Israel: direito, misericórdia, justiça e fidelidade. São termos que apontam para a relação de Deus com os seres humanos e a dos seres humanos entre si. Pode acontecer de serem usadas em paralelo – “Sou o Senhor que pratico o amor, o direito e a justiça na terra” (Jr 9,23) – ou em dupla – “A justiça será o cinto dos seus lombos e a fidelidade, o cinto dos seus rins” (Is 11,5). Na visão bíblica, importa a realidade e não o conceito abstrato. Assim, mais importante que belas teorias sobre justiça e misericórdia são as situações concretas em que se tornam realidade.

5.1 Direito – mishpat

Refere-se ao querer divino, regulador das relações interpessoais. Pode ser entendido como a Torá, enquanto orientação de YHWH a ser posta em prática nas relações interpessoais. Atropelar o direito corresponde a virar as costas para YHWH e seguir a direção contrária ao seu querer. Respeitar o direito e se deixar guiar por ele é a atitude de quem está sintonizado com YHWH e abraça seu querer como projeto de vida.

Os profetas foram, de modo especial, sensíveis ao desrespeito ao direito. Isaías era consciente da realidade de seu tempo. Contemplando a Cidade Santa, constata: “Como se tornou prostituta a cidade fiel! Cheia de direito, nela habitava a justiça, mas agora só assassinos” (Is 1,21). Jeremias denuncia o rei pelo descarado desrespeito do direito: “Ai do que constrói sua casa sem justiça e seus aposentos sem direito; que faz seu próximo trabalhar de graça e não lhe paga o salário” (Jr 22,13). Na mesma linha, segue Ezequiel: “A população pratica a extorsão, comete roubos, oprime o pobre e o necessitado e maltrata o estrangeiro sem nenhum mishpat” (Ez 22,29).

Neste contexto, a missão dos profetas de Israel consistiu em pregar a submissão ao direito e a adequação do modo de proceder aos mandamentos de YHWH. Miquéias anuncia intrépido sua disposição interior: “Estou cheio de força, do espí­rito do Senhor, de direito e de coragem para anunciar a Jacó seu crime e a Israel seu pe­cado” (Mq 3,8). Como os demais profetas, atua como instância crítica, ao falar em nome de YHWH. “Ela (Jerusalém) rebelou-se contra meus preceitos e minhas leis (…) Desprezaram meus preceitos e não viveram segundo minhas leis” proclama Ezequiel (Ez 5,6).

Os profetas anseiam pelo dia em que surgirá um rei disposto a se pautar pelo direito, como exige Dt 17,14-20. “Eis que um rei reinará conforme a justiça e os prín­cipes governarão segundo o direito” é o anseio de Isaías (Is 32,1). O direito será a regra de convivência entre as pessoas, pois o Messias (= rei) firmará seu trono “no direito e na justiça” (Is 9,6). Ezequiel alude ao Messias com a imagem do pastor, que, ao contrário dos mercenários (= falsos pastores), vai apascentar seu rebanho “conforme o direito” (34,16).

5.2 Misericórdia – hesed

 O hebraico hesed é traduzido de variadas maneiras, dependendo do contexto da ocorrência. Amor, misericórdia, piedade, benevolência, bondade e compaixão são algumas das várias possibilidades. A tradução mais comum é amor e misericórdia, embora haja outro termo para amor (‘ahabah) e para misericórdia (rahamim = entranhas; donde a expressão “entranhas de misericórdia”). Em Zc 7,9, encontramos a exortação: “Praticai o amor (hesed) e a misericórdia (rahamim)”. Alguns textos falam da misericórdia de Deus para com os seres humanos (cf. Jr 9,23; 33,11; Is 54,10; Sl 33,5; 103,8). Outros se referem ao amor-misericórdia dos seres humanos entre si (cf. Os 6,6; Pr 3,3; 20,28; 21,21). Mq 6,8 fala em “amar o amor” ou “amar a misericórdia” (ahabat hesed). Oseias denuncia a fragilidade do amor de Israel para com seu Deus, servindo-se de uma imagem sugestiva, posta na boca do próprio Deus – “O vosso amor (hesed) é como a nuvem da manhã, como o orvalho que cedo desaparece” (Os 6,4).

O agir misericordioso, no trato com o semelhante, é característica da ética bíblica. É a maneira humana de espelhar a bondade de YHWH, cuja “misericórdia é eterna!” (Sl 136[135]). “Ele é bondoso e misericordioso, lento para a cólera e cheio de misericórdia” (Jl 2,13).  Quanto mais o fiel adere, de coração, a YHWH, tanto mais misericordioso será com os mais fracos e indefesos. E será valente em defendê-los da maldade do opressor, pois assim o fez YHWH, apiedado com o sofrimento dos israelitas nas mãos do faraó. Como a misericórdia de YHWH é firme e para sempre (cf. Is 54,8), da mesma forma deve ser a de seus fiéis. Os israelitas vivem da promessa de que a misericórdia de YHWH jamais se afastaria do povo de sua predileção (cf. Is 54,10; Sl 118[117],1-4).

5.3 Justiça – sedaqah

A semântica mais rica do vocábulo sedaqah provém da tradição profética. Trata-se da situação na qual toda a comunidade está articulada no respeito a cada um, sem exclusão de ninguém, de modo especial aqueles por quem a comunidade deve, em primeiro lugar, se preocupar: os órfãos, as viúvas, os pobres e os estrangeiros. Isto só é possível quando o direito e a misericórdia norteiam o agir da sociedade. Portanto, a justiça resulta de opções éticas bem determinadas, em consonância com o projeto de YHWH.

A denúncia profética da injustiça supõe a estreita ligação entre direito e justiça. O profeta Amós denuncia a perversão da justiça por falta de direito (cf. Am 5,7). Por sua vez, a perversão do direito resulta em injustiça (cf. Am 6,12). Jeremias descreve a sociedade sem jus­tiça, ou melhor, o que seria uma sociedade com justiça. “Assim diz o Senhor: pra­ticai o direito e a justiça. Livrai o explorado da mão do opressor; não oprimais o estran­geiro, o órfão ou a viúva, não os violenteis nem derrameis sangue inocente neste lugar” (Jr 22,3; cf. Am 2,6-8; 5,10-12). Do mesmo modo, Ezequiel: “Assim diz o Senhor Deus: já é demais, príncipes de Israel! Repeli a violência e a exploração! Praticai o direito e a justiça (…) Tende balanças exatas” (Ez 45,9-12). Falando aos dirigentes do país, atinge aqueles cuja função precí­pua consistia em criar uma sociedade fundada na justiça. Essa era uma função incontornável do rei, cuja tarefa consistia em defender os mais sus­ceptíveis de serem vítimas da injustiça.

YHWH, por sua parte, espera a construção de uma sociedade justa, fruto da obediência e da submissão ao direito. A justiça social é expressão da fidelidade a Deus. A alegoria da vinha (cf. Is 5) expressa bem a expectativa de Deus em relação a seu povo. “Ele esperava o direito e eis a violência; a justiça e eis gritos de aflição” (v.7).

A justiça está em estreita relação com a paz. Os dois vocábulos – sedaqah e  shalom – são com frequência associados. Paz aponta para a situação social baseada no respeito a cada pessoa, a quem se asseguram os direitos fundamentais. Is 32,17 proclama: “O fruto da justiça será a paz; a obra da justiça será a tranquili­dade e a segurança para sempre” (cf. Sl 85,11 – “Justiça e paz se abraçarão”).

5.4 Fidelidade – emet

O hebraico emet significa constância, firmeza, perseverança. Pode ser traduzido por  verdade. Aqui será tomado no sentido de fidelidade. Como nos vocábulos anteriores, fidelidade supõe o direito – a Lei de Israel – como ponto de refe­rência. Fidelidade e infidelidade decorrem da obediência e da desobediência ao querer de YHWH.

YHWH é um Deus fiel (cf. Jr 10,10) que se atém ciosamente à palavra dada. Sua fidelidade foi demonstrada ao longo da história do povo de Israel, em especial nos momentos mais difíceis, quando Israel foi desobediente. Nessas circunstâncias, a fidelidade de Deus torna-se mais evidente, por ter motivos para castigar a infidelidade do povo.

A infidelidade de Israel fazia-se perceptível na idolatria, nas injustiças sociais e nas alianças espúrias. Este foi o resultado de um largo processo corrupção. Jr 2,21 expressa este pensamento – “Eu te havia plantado como vinha excelente, toda de cepas legítimas. Como te degeneraste em ramos de uma vinha bastarda?” “Cepas legíti­mas” traduz a expressão zera’ emet, cujo sentido literal é “semente fiel”. Sublinha o descompasso entre o momento fundacional da fé de Israel, o momento do plantio da vinha, e o momento atual da vida do povo. De sementes boas, brotou uma vinha degenerada. A ética de Israel entrou em descompasso com o agir e o querer de YHWH.  Para Oseias isto era evidentíssimo.  “Não há fideli­dade, nem amor, nem conhecimento de Deus no país” (Os 4,1).

Uma acentuada irresponsabilidade ética tomou conta do povo. A infidelidade a YHWH levava-os a praticar um culto vazio, sem o alicerce de uma vida com consistência ética. Isaías denunciou tal equívoco.  “[Vós] confessais o Deus de Israel mas sem firmeza (sedaqah) nem sinceridade (emet)” (Is 48,1). Logo, Israel enganava-se a si mesmo, com sua prática religiosa vazia, feita de pura exterioridade. A volta à fidelidade era uma exigência premente. Consciente disto, Zacarias adverte o povo: “Amai a fidelidade e a paz” (Zc 8,19). E antevê um futuro de fidelidade por parte do povo: “Jerusalém será chamada cidade da fideli­dade” (Zc 8,3), quando YHWH confirmará sua condição de Deus fiel e justo: “Eu serei seu Deus na fidelidade e na justiça” (Zc 8,8). É a recuperação do verdadeiro ethos de Israel.

Jesus de Nazaré e seus seguidores levarão adiante o projeto ético veterotestamentário, como vivência da “nova Aliança”, inscrita nos corações pelo Espírito de Deus, como falara o profeta Jeremias (cf. Jr 31,31-34). O verbete “Ética e Teologia no Novo Testamento” descreverá esse momento novo do ethos judaico.

Jaldemir Vitório SJ, FAJE, Brasil. Texto originário português.

6 Referências bibliográficas

 BARROS, M. Ética e solidariedade na Bíblia. Magis Cadernos de Fé e Cultura. n.2, p.109-32. 1994.

GERSTENBERGER, E. S. A ética do Antigo Testamento: chances e riscos para hoje. Estudos Teológicos, n.2, p.107-18. 1996.

JENSEN, J. Dimensões éticas dos profetas. São Paulo: Loyola, 2009.

PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. Bíblia e Moral: raízes bíblicas do agir cristão. São Paulo: Paulinas, 2009.

REIMER, H. Sobre a ética nos profetas bíblicos. Estudos Bíblicos, n.77, p.29-38. 2003.