Maria na Bíblia

Sumário

1 Maria na Bíblia

1.1 Antigo Testamento

1.2 Novo testamento

1.2.1 Identidade de Maria de Nazaré

1.2.2 Carta de Paulo

1.2.3 Evangelho de Marcos

1.2.4 Evangelho de Mateus

1.2.5 Evangelho de Lucas

1.2.6 Evangelho de João

1.2.7 Apocalipse

2 Referência

1 Maria na Bíblia 

Os dados bíblicos sobre Maria estão inseridos na história da salvação, no anúncio do mistério de Cristo e na perspectiva de cada escrito. Embora não haja “biografia” sobre a vida de Maria, sua presença nas Escrituras tem um significado teológico por causa do lugar que ela ocupa no núcleo do evento de Cristo que a transcende. A exegese moderna enfatiza que o mistério de Maria significa a síntese de toda a revelação precedente sobre o povo de Deus, de todas as pessoas da aliança, que tem seu ponto culminante em Cristo. “Ela é o ícone de todo o mistério cristão” (FORTE, 1993, 112).

1.1 Antigo Testamento

O que o AT nos fala sobre a Virgem Maria? A exegese e a teologia, juntamente com o Magistério e a Tradição da Igreja, referem-se ao papel da Virgem Maria na história da salvação. Colocam-na em sua prefiguração no AT e depois em sua missão como mãe da Igreja e de Cristo. Existem várias opiniões de exegetas sobre a presença de Maria no AT (POZO, 1974, 126). Alguns falam de sua ausência ou de aparições muito fugazes sob a forma de revelações ou profecias e outros afirmam que está presente em toda a Bíblia (CAROL, 1964, p. 55). De acordo com São Agostinho: “O NT está escondido no Antigo e o AT é revelado no Novo” (São Agostinho: “No Vetere Testamento Novum Latet, e em Novo Vetus patet”. Quatest. Em Hept, II 73: ML 34.623). A Constituição Lumen Gentium, nº55 do Concílio Vaticano II, afirma:

“A Sagrada Escritura do Antigo e Novo Testamento e a venerável Tradição mostram de modo progressivamente mais claro e como que nos põem diante dos olhos o papel da Mãe do Salvador na economia da salvação. Os livros do Antigo Testamento descrevem a história da salvação na qual se vai preparando lentamente a vinda de Cristo ao mundo. Esses antigos documentos, tais como são lidos na Igreja e interpretados à luz da plena revelação ulterior, vão pondo cada vez mais em evidência a figura duma mulher, a Mãe do Redentor. A esta luz, Maria encontra-se já profeticamente delineada na promessa da vitória sobre a serpente (cfr. Gn 3,15), feita aos primeiros pais caídos no pecado. Ela é, igualmente, a Virgem que conceberá e dará à luz um Filho, cujo nome será Emanuel (cfr. Is 7,14; cfr. Mq 5, 2-3; Mt 1, 22-23).”

O teólogo C. Pozo classifica os escritos em três tipos:

a) textos com verdadeiro sentido mariológico: Gênesis, 3,15; Isaías 7,14 e Miqueias 5,2-3. Gênesis 3,15: tem um sentido messiânico em que triunfa a linhagem de uma Mulher que esmaga a cabeça da serpente que simboliza o mal. O verbo ‘ipsa’ usado pela Vulgata o confirma: “Ela vai esmagar sua cabeça”. Os teólogos afirmam que, nos versículos Gn 3, 15, é Eva no sentido literal, mas é Maria em um sentido literal profundo e completo. O texto de Isaías 7:14 é messiânico e mariológico “uma donzela está grávida e vai dar à luz um filho e a chamará de Emanuel.” Isaías usa a expressão ‘Almah‘ para se referir à mãe de Emanuel; a tradução literal : donzela, jovem adolescente, virgem. Mateus ratifica-o em Mt 1,22-23, indicando que esta profecia é cumprida na concepção virginal de Jesus. Lucas também cita a Is 7,14 e 9,5 na anunciação (Lc 1,31-32) O texto de Miqueias 5,1 ss está intimamente relacionado com Is 7,14; há um paralelismo entre Almah e Emanuel. Esta profecia completa a predição de Isaías, afirmando que a “almah” dará à luz a Emanuel em Belém de Efratá.

b) Textos com sentido mariológico discutido: Jr 31,22; Sl 45, Cântico dos cânticos 5,2b. 6. Embora os textos tenham uma tradição mariológica, eles contêm infidelidades e outras situações irregulares.

c) Textos marianos por acomodação: o texto de Jt 15,9, onde na figura de Judite é visto um tipo de Maria no sentido técnico da palavra. Em Pr 8 e Ecle 24,11, se sugere a presença de Maria no plano divino da salvação formado desde a eternidade , (POZO, 1974, 127).

Autores como Laurentin e Bertetto falam de um triplo anúncio a Maria na literatura do Antigo Testamento e isso se reflete no NT. O triplo anúncio é equivalente a uma tripla preparação: moral, tipológica e profética (PONCE CUELLAR, 2001, 52).

1. 2 Novo Testamento

Quando Maria aparece nos vinte e sete escritos que compõem o cânon NT? O primeiro texto que a menciona é o de São Paulo na carta aos Gálatas no ano 53-57 dC, depois o Evangelho de Marcos ao redor do ano 64 dC, o de Mateus entre 70-80 dC, o de Lucas, autor também dos Atos dos Apóstolos, cerca de 70 dC. O Evangelho de João e o livro de Apocalipse no capítulo 12, entre 90 e 100 dC.

1.2.1 Identidade de Maria de Nazaré

María, Miryam[1], é uma mulher judaica de uma cidade pobre chamada Nazaré, a quem ela pertence e faz parte de sua história. Ela foi instruída por Deus na “escola da vida”, onde aprendeu a humildade, sabedoria e amor que ela transmitiu a Jesus. Ela era sua melhor professora e, ao mesmo tempo, sua discípula. Sua pobreza pode ser descrita como “confiança e abandono no Deus de Jesus”, em quem ele colocou todo o seu amor, fé e lhe deu esperança na vida cotidiana entre alegria e dores (BOFF, 2009, 102). O primeiro escrito sobre a mulher que interveio no mistério da encarnação foi de Paulo em Gl 4,4. Nos Evangelhos de Mateus, Marcos Lucas e no livro dos Atos dos Apóstolos, Maria é chamada pelo seu nome. No evangelho de São João, se fala da mãe de Jesus, ou sua mãe, sem dizer o nome dela. Os outros livros a mencionam indiretamente, apontando que Jesus é o Filho de Davi, que somos Filhos da Promessa, da Jerusalém acima, que o Pai nos enviou seu Filho, nascido de mulher e é reconhecida na Mulher coroada com estrelas do Apocalipse (Ap 12). Os Evangelhos sinópticos apresentam a figura de Maria em referência a Jesus em momentos diferentes. Na genealogia (Mt 1,16, Lc 3,23), na sua concepção virginal (Lc 1,26-38); na visita de Maria a Isabel e no Magnificat (Lc 2, 39-56). Em seu nascimento (Mt 1, 25; Lc 2,1-20), na apresentação no templo (Lc 2,21-38); na fuga e retorno do Egito (Mt 2,1-23). No relacionamento com parentes e discípulos (Mc 3,3-35; 6,1-3; Mt 12,46-50; 13,53-58; Lc 8,19-21; 4,16; 22-30).

1.2.2 Carta de Paulo

A carta de Paulo aos Gálatas está localizada ao redor do ano 49 ou entre 53-57 dC e é o primeiro testemunho mariano no NT sobre a Virgem, a mulher mediadora da encarnação (Gl 4, 4). É o germe da doutrina mariana. Destaca o dom singular que Deus fez a Maria como Mãe do Senhor e nela o respeito e a estima pela mulher, dando-lhe um lugar proeminente na história da humanidade. Confirma o modo de Deus de fazer parte da história, desde dentro, mergulhando nos fatos e eventos da vida. O mesmo Deus que formou parte de um povo (Rm 1,3), que falou através dos profetas “muitas vezes e de muitas formas” (Hb 1,1) dentro do espaço tempo. Quando o Pai envia seu Filho para que seja parte de nossa história, os tempos do plano divino atingem sua plenitude. Cristo é o ponto ômega e nesta cimeira há uma mulher, Maria, nela e dela, se formou o corpo de seu Filho (Hb 2,14 Rm 9,5). Através da maternidade que significa nascer como qualquer ser humano, o Filho do Pai preexistente ao mundo se enraíza no tronco da humanidade, fazendo-nos filhos no Filho.

1.2.3 Evangelho de Marcos

 

Este evangelho apresenta a imagem mais antiga de Maria. Recolhe as catequeses e a pregação de São Pedro. Ele começa a falar sobre João Batista e Jesus adulto que é batizado no Jordão. É a imagem da tradição pré-evangélica que se remonta ao próprio Jesus e é apenas esboçada, apresentando claramente suas características essenciais. É a mãe ignorada, de um Messias ignorado ou de um “judeu marginal”, segundo Meier, e uma mãe vituperada de quem é vituperado (MEIER, 1993). Mas, para Jesus, o Filho de Deus, ela é abençoada por ter acreditado nele e, por essa razão, ela é mãe pela fé mais do que pelo seu sangue, dos seus discípulos, isto é, da sua Igreja. Este evangelista apresenta Jesus o Filho de Deus, que é a Boa Nova e essa proclamação de fé provoca aceitação ou rejeição. Com a pergunta: quem é minha mãe e meus irmãos? (Mc 4,33) anuncia a formação de uma nova família, (GARCIA PAREDES, 2005, 16-27), não mais relacionada com o sangue, mas com o espiritual, “porque quem faz a vontade do meu Pai Celestial, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe “(Mc 3,35).

1.2.4 Evangelho de Mateus 

O profeta Miqueias, citado pelo Evangelista Mateus (Mt 2,6), anunciou que de Belém: “sairia um chefe, o pastor do meu povo, Israel” (Mq 5,1). Jesus será o “novo Moisés” que libertará da escravidão através de um novo êxodo, assumindo o exílio, a perseguição para levar o povo a uma libertação nova e definitiva (Mt 2,13 ff.; Ex 2,1-9; 4,19-23). Uma Virgem que está grávida será a Mãe do Salvador, do Messias, (Filho de Deus e filho de Davi). A Virgem Maria é a esposa de José, filho de Davi. Ela é parte de um povo que aguarda o Messias e terá o apoio de José, porque precisa dele para que seu Filho possa ter um lar. Ele vive o conflito de aceitá-la como esposa ou repudia-la em segredo e o resolve depois de ouvir o anjo nos sonhos. É necessário que ao fiat de Deus (Is 7,14) lhe corresponde o fiat do ser humano. Quando José dá o seu fiat, “acordando  José do sono, ele fez como o anjo do Senhor o ordenara” (Mt 1,24), o cumprimento da Palavra atinge a plenitude, o conflito é resolvido (GARCIA PAREDES, 2005, 56 ). E Jose, legal e humanamente, assume a condição paternal de Jesus, recebendo Maria como sua esposa, pela qual Jesus é “filho de Davi”. Jose aceita Maria e ao “filho de Maria” gerado pelo Espírito Santo, o Emanuel (Mt 1,20). Ele testemunha que Jesus é o Filho de Deus e o sim de Maria é completado com seu sim, constituindo a família de Jesus, onde ele terá sua primeira experiência de vida comunitária, communio e aprenderá a se relacionar com ambos. A virgindade de Maria é uma característica mariana que está em estreita ligação com a filiação e a origem divina do Messias. Este nasce de Maria sem a mediação do homem e pela obra do Espírito Santo, segundo afirma Mateus.

1.2.5 Evangelho de Lucas 

O evangelista Lucas narra a origem de Jesus e a origem da Igreja destacando a presença de Maria nos mistérios da Encarnação e de Pentecostes. A concepção virginal de Maria é descrita aqui através da Epifania de Deus na Arca da Aliança (Êxodo 40,35). A nuvem de Deus aparece sobre os dois e suas consequências são análogas. A Arca está cheia de Glória, Maria está cheia da presença de um ser que merece o nome de Santo e de Filho de Deus.

A figura de Maria é apresentada como uma testemunha privilegiada não só da vida de Jesus, mas também do significado teológico dessa vida. Ele é uma testemunha do que acontece porque ele “manteve todas essas coisas e meditou-as em seu coração” (2,19); “Sua Mãe cuidadosamente guardou todas as coisas em seu coração” (2,51). Uma Mãe que cuida com amor e está atenta ao seu Filho. Ela sai e visita Isabel expressando com alegria a ação de Deus em sua vida no Magnificat. No momento do nascimento, ela dá à luz ao Pastor, num contexto pastoril e os primeiros que o reconhecem são os pastores que vão ver a Criança e sua Mãe (2,6-20). Eles são, juntamente com “uma nuvem de testemunhas”, aqueles que testemunham a historicidade do evento. E é o Espírito Santo que, através de Maria (a Filha de Sião, a Arca da Nova Aliança), testemunha a Jesus e realiza a tarefa de ensinar aos crentes em Jesus Cristo “todas as coisas”. Maria então desaparecerá. discretamente para dar a palavra ao seu Filho quando ele – aos 12 anos de idade em seu Bar-Mitzvah, no Templo de Jerusalém – se torna um mestre adulto da sabedoria de seu povo e se torna capaz de dar testemunho válido de si mesmo e do Pai. Ele fará o mesmo nos Atos dos Apóstolos, quando seus discípulos, com a presença do Espírito Santo no dia de Pentecostes, se tornem mestres da Nova Lei do Espírito e servos da Palavra (TEPEDINO, 1994). Com a força e o poder do alto, darão testemunho da paixão e ressurreição, quer dizer, da identidade messiânica e divina de Jesus.

1.2.6. Evangelho de João

João apresenta Maria como a “mãe de Jesus”, no contexto das bodas em Caná (Jo 2,1-2) e ao pé da cruz (Jo 19,25-27). Seu próprio Filho a chamou de “mulher”, gu / nai, revelando sua identidade mais profunda, o seu ser “mulher” antes que sua maternidade[2]. Estudiosos da obra de João têm visto uma continuidade entre o quarto Evangelho e o Apocalipse identificando com a mesma função à mulher, gunh / no parto em Apocalipse 12 com Maria, a mãe de Jesus, embora não seja nomeada  como tal. A forma como é apresentada revela essa continuidade porque tanto em João 2,4; 19:26 e Ap 12, essa mulher, gu / nai gunh / está em referência a Cristo e à sua maternidade biológica e espiritual que é fecunda ao abraçar aos “novos filhos” que lhe dá o seu Filho. Neste sentido, é figura da Igreja e é apresentada em Jo 2,4; 19.26 com os discípulos que representam a comunidade dos seguidores de Jesus. O fato de que não aparece sozinha com Jesus significa que sua missão é em referência a Jesus e à comunidade, ali será compreendida a sua maternidade por ser mulher. Então se pode dizer que o quarto Evangelho e o Apocalipse têm um profundo conteúdo eclesial e mariano, ao apresentar a Maria e aos personagens, homens e mulheres, que representam a comunidade. Ambas as interpretações, eclesiológica e mariana, foram analisadas a partir dos grandes períodos da tradição cristã, que são a época patrística e a medieval.

Maria nas bodas de Cana, se compadece com as necessidades dos noivos (Jo 2,3) e começa o diálogo fazendo de mediadora entre Jesus e os serventes. Sua função é facilitar o contato dos homens e mulheres com Cristo, colaborando na consciência de sua verdadeira identidade. Suas palavras e gestos: “façam tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5) ajudam a revelar a divindade de Jesus, seu ser Filho unigênito do Pai  através de um sinal. A boda evoca imagens da era messiânica (ou seja, a nova criação) como o vinho e os alimentos deliciosos (cf. Os 2,19-20; Is 25,6-8; Jr 2,2; Cântico dos cânticos). Por sua mediação cautelosa é realizado o sinal, onde Jesus manifesta a sua glória (v. 11), destacando a dimensão cristológica do relato.

As últimas palavras de Maria em Cana (Jo 2,5) têm continuidade em Jo 19,26-27, quando ouviu que Jesus lhe diz: “Mulher, eis aí o teu filho”.  Então ele disse ao discípulo: “Eis aí tua mãe”. E a partir dessa hora,” o discípulo a recebeu em sua casa “. A expressão” mulher “, gu / nai e não” mãe “, é considerada uma evocação simbólica de Eva em Gênesis 3, a mulher do protoevangelho, de acordo com as obras de Braum e Feuillet.

As palavras “Mulher, eis aí o teu filho” (v. 26), recordam as fórmulas de adoção, embora Brown diga que é mais apropriado falar de uma “fórmula de revelação” (Cf. Jo 1,21; 36, 1,47), isto é, revela o conteúdo que a nova relação deve ter, a nova maternidade de Maria que ela recebe como o “testamento de seu Filho desde a cruz”

De acordo com Brown, a expressão “Eis aí tua mãe” (v. 27) mostra que, a partir de agora, a mãe e o discípulo estarão em uma nova relação querida por Jesus no contexto do evento messiânico e eclesiológico da cruz (BROWN, 2002). Ela representa de forma especial o resto de Israel que aguarda e recebe a salvação messiânica, expressa em Jo 1,31.41.45.49. Está aberta à salvação, assim como o discípulo amado que confia e se abre para receber em sua casa aos que procuram a salvação e a permanecer lá. Também está associada à imagem da Igreja, “Filha de Sião”, a Virgem de Israel (Is 60.4-5; 31.3-14; Br 4,36-37; 5,5) que chama seus filhos / filhas desde o exílio para formar um novo povo. O evangelista aplica-o a Maria e ao discípulo ao pé da cruz: “Levanta em redor os teus olhos, e vê; todos estes já se ajuntaram, e vêm a ti; teus filhos e filhas virão de longe…” (Is 60,4), maternidade messiânica e escatológica. Também está associado a Eva, como em Cana, (Gn 2,20), mãe por excelência.

Sua maternidade corporal é prolongada em maternidade espiritual para com os crentes e para com a Igreja, de tal forma que “para nos tornarmos filhos de Deus, devemos nos tornar filhos de Maria e filhos da Igreja”. Seu único Filho é Jesus, mas nós nos conformamos com ele se nos tornarmos filhos de Deus e filhos de Maria “(DE LA POTTERIE, 1993, 262ss).

Além das interpretações de que o discípulo amado (Jo 13:23) seja o filho de Zebedeu, ou que ele seja um discípulo com um relacionamento especial, de preferência com Jesus, seu papel é mediar a mensagem da salvação. É o amigo (15,13-15) a quem Jesus confia e expressa seu amor ao extremo (13,1) em sua hora, dando o maior que ele tem neste mundo, a mulher que o deu à luz. Ele é capaz de confiar em sua mãe, porque ele é um homem de fé, que não precisa de provas.

“E a partir daquela hora” (v. 27), tem dois significados, o de recebê-la naquele momento, na “hora” de Jesus, que chegou, a sua morte na cruz (Jo 12,23; 13,1 ; 17,1). O resultado do “levantamento de Jesus na Cruz” é que a mãe e o discípulo se tornam um (Jo 12,32), se fundamentam umas relações sólidas de amor entre Maria, Jesus e o discípulo, que serão a base da unidade da Igreja. Na hora de Jesus e da mulher (Jo 16,21), seu próprio Filho anuncia uma tarefa maior, como presente por seu grande amor: o ventre vazio será preenchido com novos filhos, ao aceitar ser a “mãe” do discípulo. Ele a recebe “em sua própria casa” (v. 27), isto é, ele acolhe pela fé em sua intimidade à mãe de Jesus, agora sua mãe, e a faz sua nesse momento com disponibilidade total. A única missão que o discípulo recebe é ter Maria como mãe. Sua primeira tarefa é ser o filho de Maria. É mais importante ser crente do que apóstolo, uma vez que a missão será confiada mais tarde, após a ressurreição (Jo 20,21, 21,20-23). Ao se tornar o filho de Maria, ele se torna o filho da Igreja, um verdadeiro crente na Igreja.

E Maria é mãe assim que Jesus vive no discípulo que crê e recebeu a vida eterna. De acordo com Brown, Jesus coloca Maria e seu discípulo amado em relação de mãe e filho e, assim, constitui uma comunidade de discípulos que são mãe e irmão para ele, a comunidade que preserva o Evangelho. É por isso que suas últimas palavras são: “tudo está cumprido” (v. 30) para entregar seu Espírito à comunidade dos crentes que ele formou. “Uma mulher e um homem estavam no pé da cruz, como modelos de humanidade redimida, sua verdadeira família de discípulos” (BROWN, 2002, 473).

1.2.7 Apocalipse

O correlativo de Maria-mulher-mãe-igreja também é observado na imagem “mulher celestial” (Ap 12, 1-6). A maternidade de Maria faz dela que seja mulher, gu / nai e que se identifique com a comunidade escatológica e fecunda. Então, a denominação de mulher, gu / nai e mãe mh / thr aparece em toda a sua dimensão, em Apocalipse 12. A Igreja, refletindo-se em Maria, descobrirá sua identidade e seu papel como portadora e geradora de Cristo na história, é por isso que a Igreja pode ser chamada de “mulher”, gu / nai. A mulher-povo de Deus, que se apresenta, é revestida por Deus, com cuidado amoroso, particular, com todo o melhor que Ele tem. Ela está revestida de sol, com a lua debaixo de seus pés, ela é colocada acima das vicissitudes do tempo em que a aliança é feita, porque lhe compete essa realização que Deus efetuará no final da evolução do tempo. No nível escatológico, significa a Jerusalém celestial, onde a mulher-povo de Deus, Sião escatológica, está localizada com uma tripla acentuação efetiva: tem a coroa, sinal do prêmio escatológico; de estrelas, sinal de transcendência divina referente à Igreja; e há doze, indicando o nível escatológico da Jerusalém celestial. Brilha com uma luz que lhe é dada, não é própria, senão graças à glória de Deus que a reveste. Enquanto o mal (Diabo, Satanás – ver Jo 16,11; Ap 12), que foi derrotado na cruz, continua a perseguir os homens e mulheres que compõem o novo povo de Deus, a igreja-mulher com “dores messiânicos”, de parto (Ap 12,1-6), vai gerando novos filhos e filhas em Cristo, que querem ser devorados / devoradas pelo “dragão”. Mas a Divina Providência não abandona à mulher-igreja, no deserto, (2Re 17,1-7; Os 2,16-18), lugar onde ela permanece fiel à aliança, porque Deus cuida dela e alimenta e protege seus filhos e filhas no caminho da terra prometida. Podemos dizer que, por causa da cruz e do momento da cruz, uma nova família de Jesus foi criada. Sua mãe, modelo de fé e o discípulo que Jesus amava, tornaram-se um, aceitando a maternidade incondicionalmente. Ela será a mãe da vida de seu Filho em todos os membros da Igreja. Desta forma, é um símbolo ideal no qual se reconhece a maternidade da Igreja portadora e geradora da vida na história, até a sua realização escatológica.

María del Pilar Silveira. Faculdade de Teologia da Universidade Católica Andrés Bello, Caracas, Venezuela. Texto original em espanhol.

2 Referências

BOFF, C., O cotidiano de Maria de Nazaré 2da. Ed. Säo Paulo: editora salesiana, 2009.

BROWN, R. Introducción al Nuevo Testamento. Madrid: Trotta, 2002.

DE LA POTTERIE, I. María en el misterio de la alianza, Madrid: BAC, 1993.

FORTE B. María, la mujer icono del misterio. Ensayo de mariología simbólico-narrativa. Salamanca: Sígueme, 1993.

GARCÍA PAREDES, J.C.R. Mariología. Madrid: BAC, 2005.

POZO, C. María en la historia de la salvación. Madrid: BAC, 1974.

PONCE CUELLAR, M. Maria Madre del Redentor y Madre de la Iglesia. Barcelona: Herder, 2001.

Para saber más

BALZ, H. – SCHNEIDER, G. Diccionario exegético del Nuevo Testamento, Vol. I. Salamanca: Sígueme, 1996.

BARRET, C. K. El Evangelio según san Juan. Madrid: Cristiandad, 2003.

BASTERO DE ELIZALDE, J. L., María Madre del Redentor. Navarra: EUNSA, 2004.

BROWN, R. – FITZMYER, J. – MURPHY, R. Comentario Bíblico “San Jerónimo”, tomo IV,  Nuevo Testamento II. Madrid: Cristiandad, 1972.

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FEUILLET, A. “L’Heure de Jésus et le Signe de Cana”, en: Ephemerides Theol. Lovanienses 36 (1960) 5-22.

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SCHNACKENBURG, R. El Evangelio según San Juan IV exégesis y excursus. Herder: Barcelona, 1987.

SCHÖKEL, L. A. La Biblia de Nuestro Pueblo. Bilbao: Ed. Mensajero, 2006.

TEPEDINO, A.M. Las discípulas de Jesús. Madrid: Narcea S.A, 1994.

TROADEC, H. Comentario a los Evangelios Sinópticos. Madrid: Ed. Fax 1972.

[1] É a forma hebraica, a de raiz egípcia era Mir-yam, “Amado de Javé” (Mri = amada + Yam = Yahweh). Mariam no aramaico comum, simplesmente significava “Senhora”.

[2] Deve-se acrescentar que o nome próprio da mãe de Jesus nunca aparece neste Evangelho: Maria, Maria / m. É uma omissão que não é explicada, uma vez que o autor nomeia outras 15 “Marias” como a irmã de Marta, a Magdalena, a esposa de Cléofas.